Simulando enchentes

Dizem que a força da natureza é imprevisível. Mas um grupo de pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos tem contrariado essa máxima. Eles desenvolveram um programa de computador por meio do qual é possível prever impactos provocados pela água da chuva – podendo, assim, evitar catástrofes – e obter diversos dados para a gestão de bacias hidrográficas.

O programa, chamado Lavras Simulation of Hydrology (Lash) e desenvolvido por engenheiros agrícolas das universidades federais de Pelotas (UFPel), do Tocantins e de Lavras (Ufla) e da norte-americana Universidade Purdue, funciona como um modelo hidrológico digital.

Samuel Beskow, pesquisador da UFPel e um dos idealizadores do programa, explica que modelos hidrológicos permitem simular em poucos dias alterações na bacia decorrentes de mudanças climáticas e do uso do solo. Em vez de exigir o acompanhamento do clima, da vazão e da qualidade da água de uma bacia por um longo período de tempo, essas simulações são projetadas a partir de parâmetros fixos, como relevo e constituição do solo locais.

“Pesquisadores brasileiros tem aplicado modelos estrangeiros para bacias hidrográficas nacionais”, afirma Beskow. “Esse processo é muito limitado pelas diferenças de clima e solo do exterior, o que faz com que os modelos importados sirvam mais como referência para compreensão da ferramenta.”

Passo a passo

Primeiramente, o Lash precisa de informações sobre a rede de drenagem da bacia hidrográfica que será analisada e de três diferentes tipos de mapas com dados sobre a região, que são obtidos de um sistema de informações geográficas chamado ArcGIS, com o qual o programa interage.

A partir desses dados, é possível criar, em poucos dias, um banco de dados especificamente ‘calibrado’ para uma dada bacia. “O Lash pode então simular mudanças climáticas e de uso do solo, simular catástrofes e dimensionar estruturas hídricas, sendo os resultados apresentados para o usuário de forma bastante fácil de entender”, diz Beskow.

Lash
Tipos de uso do solo e integração com o banco de dados em uma bacia hidrográfica no programa Lash. (imagem: Samuel Beskow)

Dessa forma, acidentes naturais graves que ocorrem com frequência, como enchentes, poderiam ter seus efeitos minimizados. Com o uso de uma estação meteorológica que transmitisse informações ao Lash, por exemplo, seria possível estimar em poucos minutos se uma chuva pode provocar o transbordamento de um rio, com base na situação da cabeceira de uma bacia. Caso houvesse risco, um órgão de defesa civil poderia ser avisado automaticamente pelo sistema.

Prejuízos minimizados

Depois de mostrar-se funcional para algumas bacias hidrográficas brasileiras – como a do rio Grande e a do rio Aiuruoca, ambas em Minas Gerais –, o Lash ganhou, em 2012, uma segunda versão, com capacidade de previsão mais precisa. O próximo passo, agora, é fazer com que o programa, além de calcular a vazão das bacias ao longo do tempo, simule também a concentração de sedimentos em suspensão e parâmetros associados à qualidade da água.

“A gestão dos recursos hídricos de uma bacia depende de conhecê-la plenamente, e a obtenção de informações sobre seu funcionamento geralmente é obtido por monitoramento hidrológico”, explica Beskow. “Os dados têm de ser precisos para não haver prejuízos à fauna, à flora e à fluidez das águas”, diz. Mas esse monitoramento, que no Brasil fica a cargo da Agência Nacional das Águas, é feito apenas em algumas bacias – principalmente as com grandes áreas de drenagem.

Coleta de dados meteorológicos
Pesquisadores coletam dados meteorológicos de uma estação instalada no interior do município de Canguçu (RS), na bacia hidrográfica do Arroio Pelotas. (foto: Diego Vilela/Jornal Canguçu On-line)

Com a simulação feita por um instrumento de modelagem hidrológica, é possível avaliar riscos de urbanizar uma área, prever impactos das chuvas nas cabeceiras de bacias e, assim, minimizar eventuais prejuízos em caso de tempestades. Ela também pode ajudar a dimensionar com segurança a construção de estruturas hidráulicas como bueiros, reservatórios e pontes.

A ferramenta permite ainda prever a vazão de rios e córregos em épocas de estiagem para calcular a quantidade de água a ser usada nesses períodos, de modo a garantir o desenvolvimento sustentável de uma região.

Os criadores do programa pretendem oferecer futuramente a solução a instituições públicas. Mas, por enquanto, o Lash ainda está em fase de desenvolvimento e não há previsão para ser disponibilizado a profissionais de hidrologia e climatologia.

Mariana Ceccon
Especial para a CH On-line/ PR