A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é a língua oficial dos surdos no Brasil desde 2002. Mais de uma década depois, continua sendo pouco conhecida pela população ouvinte. Além de ter gramática própria, a Libras apresenta diferenças regionais marcantes, assim como o português.
Uma mesma expressão ou um mesmo objeto podem ser representados por diferentes sinais de acordo com a região – a palavra ‘culpa’, por exemplo, é sinalizada de diferentes formas no Rio de Janeiro e na Paraíba. Além disso, há sinais locais específicos, como os para nomes de praias pernambucanas.
Embora haja uma mobilização recente para a elaboração de dicionários de Libras mais completos, eles ainda deixam a desejar no que tange à representação da diversidade cultural brasileira. Ao detectar essa fragilidade, a pesquisadora cearense Janice Temoteo, formada em Letras pela Universidade Regional do Cariri (Urca), decidiu percorrer o Nordeste brasileiro e mapear os sinais típicos de cada localidade.
Na sua peregrinação lexicográfica pela região, Temoteo contou com a ajuda de 32 surdos de 15 cidades dos nove estados nordestinos e o auxílio de uma filmadora para registrar de forma precisa os sinais mapeados. “Eram nove estados e milhares de sinais a serem coletados, por isso foi imprescindível usar a filmagem como parte da metodologia na pesquisa”, explica.
No Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP), onde desenvolveu o projeto durante seu doutorado, a pesquisadora conseguiu registrar 4.287 sinais dos mais de 10 mil filmados e de uso comum entre os surdos da região Nordeste.
Enriquecendo o vocabulário
O estudo de Temoteo foi desenvolvido Laboratório de Neurolinguística Cognitiva Experimental (Lance) do IP/USP e seguiu o padrão de registro dos sinais do Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira (Deit-Libras), elaborado por Fernando Capovilla – orientador de sua tese – e pela pesquisadora Walkiria Duarte Raphael, ambos do IP/USP. A obra foi lançada em 2001 e ganhou uma edição estendida em 2009, na qual constam, inclusive, alguns sinais do Nordeste, frutos da pesquisa de Temoteo.
Como em um dicionário tradicional, no Deit-Libras, os verbetes são classificados em ordem alfabética e vêm acompanhados do significado de cada sinal. Além disso, cada um conta com ilustrações e explicações sobre como o sinal dever ser realizado.
A pesquisadora – que começou a aprender Libras na década de 1990, no Ceará – observou que, na primeira edição do Deit-Libras, o Nordeste estava pouco representado. “Esse dicionário começou aqui em São Paulo, com o apoio dos surdos da FENEIS [Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos]. Em 2006, fiz uma pesquisa sobre o dicionário e notei que havia somente um sinal registrado do Nordeste, que era o sinal correspondente a ‘caminhão’, da Bahia.”
Agora, com os frutos do seu trabalho, ela poderá reparar essa ausência. “Um dos pontos importantes para a inclusão dos sinais tipicamente regionais na pesquisa é que, por meio do seu registro, eles passam a ser de conhecimento não apenas da comunidade surda local, mas tornam-se conhecidos por surdos de outras regiões do país”, avalia.
Os verbetes nordestinos registrados por Temoteo – que incluem nomes de praias, santos da Igreja Católica e pratos típicos regionais, entre outros temas – estão sendo adicionados ao Deit-Libras. Para ela, o melhor resultado de seu trabalho foi o reconhecimento de sua relevância pela comunidade surda e as contribuições que começam a surgir a partir da pesquisa.
“Muitas pessoas me escrevem dizendo que acharam importante o trabalho; esse retorno é muito bacana”, diz Temoteo. “Por conta de sua divulgação, tenho recebido contribuição de pessoas de vários estados, que enviam apostilas, vídeos, entre outros materiais com sinais regionais”, completa. A ideia é que uma nova edição do Deit-Libras seja lançada com esses e outros registros de variações regionais e culturais dos sinais da Libras de todo o Brasil.
Roberta Adena
Ciência Hoje On-line