Sintetizado genoma completo de bactéria

 

Mais um passo acaba de ser dado rumo à criação de microrganismos sintéticos, que poderiam ser usados para produzir biocombustíveis, limpar lixo tóxico ou seqüestrar carbono, entre outras aplicações. Cientistas do Instituto J. Craig Venter, nos Estados Unidos, sintetizaram quimicamente o genoma completo da bactéria Mycoplasma genitalium. O método desenvolvido por eles permite a construção de grandes moléculas de DNA sintéticas a partir de pedaços menores.

A bactéria Mycoplasma genitalium teve seu genoma completo sintetizado quimicamente por pesquisadores do Instituto J. Craig Venter, nos EUA (foto: Frantz, Al­bay e Bott, Univ. of North Carolina/Chapel Hill).

Apesar de a síntese química de genes ser um procedimento difundido, até agora os únicos genomas sintéticos completos de que se tem notícia pertenciam a vírus e eram bem menores que o da Mycoplasma genitalium. Com 485 genes codificadores de proteínas, ela é a bactéria com o menor genoma entre todas as células com replicação independente que se desenvolvem em cultura.

A seqüência genética sintetizada, com cerca de 582 mil nucleotídeos, contém todos os genes da forma selvagem da bactéria, com exceção de um. O gene responsável pela patogenicidade do microrganismo teve seu funcionamento interrompido por um marcador antibiótico, o que permitiu a identificação do genoma artificial.

Para construir em laboratório o genoma completo da M. genitalium, a equipe liderada por Daniel Gibson dividiu a seqüência genética em 101 pedaços, que foram sintetizados individualmente. Os cientistas também inseriram seqüências genéticas curtas em locais específicos do DNA para servir como marcadores e permitir a fácil diferenciação entre o genoma sintético e o natural.

O método para montar o genoma, descrito esta semana na revista Science, consiste em um processo de recombinação para juntar os fragmentos de DNA em seções cada vez maiores. Primeiro, grupos de quatro pedaços foram reunidos. Depois, os 25 grupos formados foram reagrupados de três em três, gerando oito grandes grupos, cada um com um oitavo do tamanho do genoma da M. genitalium.

Em um terceiro estágio, os oito grupos foram reorganizados dois a dois para formar quatro grupos de aproximadamente um quarto do genoma da bactéria. Esses agrupamentos foram feitos por meio de recombinação in vitro e clonagem dentro da bactéria Escherichia coli. Mas esse método se mostrou ineficiente para agrupar seqüências maiores.

Recombinação surpreendente
Os pesquisadores decidiram então usar como hospedeiro a levedura Saccharomyces cerevisiae, que tem um sistema de recombinação extremamente eficiente. A levedura foi capaz de reunir e clonar todos os fragmentos maiores de DNA (com um quarto do genoma da M. genitalium ) de uma só vez e montar, assim, a seqüência genética completa da bactéria. “É realmente surpreendente que ela consiga fazer isso em um único passo”, destaca Hamilton Smith, co-autor do artigo, em entrevista divulgada pela Science.

Pelos menos 17 clones com o genoma sintético completo da M. genitalium foram obtidos por meio desse processo. Um deles foi isolado e seqüenciado, o que permitiu a confirmação de que se tratava do genoma projetado inicialmente.

Segundo Smith, o método que emprega a levedura pode ser aplicável a outros genomas, mas não se pode esperar que esse microrganismo seja capaz de agrupar centenas de fragmentos. “Portanto, ainda temos que realizar algum trabalho em tubos de ensaio, para construir gradualmente fragmentos com tamanho muito bom antes de inseri-los nas leveduras”, diz o pesquisador. E completa: “Não sabemos quais são as limitações das leveduras. Planejamos explorá-las.”

Os cientistas ressaltam ainda que o uso da metodologia não se restringe à construção de grandes moléculas de DNA a partir de pedaços sintetizados quimicamente. “Deve ser possível reunir qualquer combinação de segmentos de DNA sintéticos ou naturais em qualquer ordem desejada”, dizem no artigo. O próximo desafio será transportar um genoma sintetizado quimicamente para um citoplasma receptor. “Uma vez que se faça isso e o genoma seja expresso, tem-se uma célula planejada”, vislumbra Smith. 

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
24/01/2008