Sintomas de Alzheimer revertidos em camundongos

 

Memórias comprometidas por doenças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer podem não estar perdidas para sempre. Elas estariam simplesmente inacessíveis e poderiam ser recuperadas, segundo indica um estudo norte-americano feito com camundongos. Os animais, geneticamente modificados para desenvolver sintomas similares aos do mal de Alzheimer, conseguiram recuperar memórias de longo termo e a capacidade de aprender.

O estudo abre a perspectiva para o desenvolvimento de novos tratamentos para doenças neurodegenerativas em estado avançado. “Nosso modelo com camundongos mostra que é possível melhorar a aprendizagem e a memória mesmo nos casos em que houve a perda significativa de neurônios”, afirmou em comunicado à imprensa a neurocientista Li-Huei Tsai, pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e do Instituto Médico Howard Hughes e autora principal do estudo.

Os resultados do estudo, publicados ontem na página da revista britânica Nature , indicam que o termo “perda de memória” talvez não seja o mais adequado para explicar o déficit cognitivo provocado por doenças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer. “As memórias continuam ali, mas são tornadas inacessíveis pela degeneração mental”, explica Tsai.

O estudo foi feito com camundongos geneticamente modificados de forma que o gene p25 pudesse ser ativado em determinado momento. Esse gene produz a proteína de mesmo nome, cuja ativação está associada a várias doenças neurodegenerativas. Os roedores que tiveram a ativação desse gene induzida desenvolveram sintomas muito parecidos com os do mal de Alzheimer, como perda de neurônios e atrofia cerebral, tendo como conseqüência uma piora significativa da memória e capacidade de aprendizagem.

Ambiente rico em estímulos

Camundongos expostos a um ambiente rico em estímulos sensoriais, com rodas, túneis e outros brinquedos, tiveram melhor desempenho em testes de aprendizagem e memória em relação a roedores mantidos em gaiolas comuns (foto: Li-Huei Tsai).

Em seguida, testes de aprendizagem e memória foram feitos com dois grupos de camundongos – um mantido em gaiolas comuns e outro em um ambiente rico em estímulos sensoriais, sabidamente capaz de estimular a aprendizagem nesses animais. Entre os estímulos desse ambiente, havia rodas, túneis e brinquedos de cores, formas e texturas variadas.

Os camundongos expostos a esse ambiente tiveram ganhos significativos na aprendizagem e memória, com resultados melhores que os dos animais mantidos em gaiolas comuns. Mais impressionante que isso, esses roedores mostraram-se capazes de recuperar memórias de longo-termo supostamente perdidas após o déficit cognitivo induzido pela ativação do gene p25. Eles foram capazes de se “lembrar” da associação que haviam feito, antes da perda dos neurônios, entre uma determinada câmara e choques elétricos, num experimento feito para condicionar o medo dos roedores.

A análise do cérebro dos camundongos submetidos ao ambiente rico em estímulos apontou indícios do surgimento de novas conexões entre os neurônios, embora não indicasse a formação de novas células desse tipo. Os autores ainda não têm uma explicação bioquímica definitiva para o fenômeno, mas atribuem a melhora cognitiva desses animais a uma reorganização da cromatina (o complexo de DNA e proteínas dentro do núcleo celular) verificada nas células desses animais.

Para confirmar essa hipótese, o grupo testou um tipo de drogas capaz de promover a mesma reorganização da cromatina (por meio de um processo conhecido como acetilação de histonas), e verificou que elas eram capazes de provocar um efeito parecido sobre a memória e a aprendizagem dos roedores.

“Acreditamos que novos estudos sobre o remodelamento da cromatina poderiam levar a um tratamento para o mal de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas”, disse Tsai. No entanto, as drogas usadas no estudo ainda estão em desenvolvimento, e não podem ser administradas em humanos.

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
30/04/2007