Só para eles

 


Cultura de células-tronco adultas de camundongos que se comportaram como células-tronco embrionárias (fotos: reprodução/ Nature ).

Um estudo alemão pode representar o fim dos dilemas éticos enfrentados na pesquisa sobre células-tronco embrionárias. Essas células, capazes de se diferenciar em todos tecidos do organismo, são apontadas como o futuro da medicina regenerativa. No entanto, sua obtenção requer o sacrifício de embriões, proibido em muitos países e criticado por diversos setores da sociedade.

Agora, a equipe de Gerd Hasenfuss, da Universidade Georg-August, em Göttingen, mostrou que há no testículo de camundongos células-tronco adultas que, dependendo do meio usado para cultivo, adquirem propriedades das células embrionárias, ou seja, a capacidade de gerar qualquer tecido do organismo. Caso células do mesmo tipo sejam encontradas em humanos – como acreditam os autores do estudo –, um grande obstáculo à pesquisa na área cairá por terra.

No estudo publicado em 24 de março no site da revista Nature , a equipe de Hasenfuss verificou que, quando essas células-tronco estão nos testículos dos camundongos, produzem espermatozóides devido ao estímulo de outras células locais. A equipe alemã resolveu testar o que aconteceria na ausência desse estímulo: para isso, as células foram injetadas na pele de camundongos ou cultivadas in vitro.

Os pesquisadores constataram que, nessas condições, as células se comportavam como as células-tronco ditas pluripotentes, ou seja, elas eram capazes de se transformar em vários tipos celulares, como músculos, gordura, ossos, cartilagem ou tecido neuronal e intestinal.

No entanto, os pesquisadores não conseguiram encontrar esse tipo celular no ovário de roedoras – eles ainda não sabem se elas realmente não existem ou se a equipe não foi capaz de identificá-las. Por ora, este avanço só é válido para os animais do sexo masculino.

Potencialidades
As células-tronco são importantes para a medicina porque podem ser úteis no tratamento de doenças cardíacas, leucemia, Alzheimer e Parkinson, além de permitirem a reconstituição de medula óssea e de tecidos queimados ou destruídos sem risco de rejeição, caso o doador seja o próprio paciente.

No Brasil, o Instituto do Coração (Incor), vinculado ao Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), vem estudando o tratamento da insuficiência cardíaca com o transplante de células-tronco adultas extraídas da medula óssea dos pacientes e injetadas no músculo cardíaco. Os resultados preliminares indicam que se trata de um procedimento seguro.

As células-tronco descobertas pelos pesquisadores alemães mostraram-se capazes de se diferenciar em células neuronais (esq.) e do fígado (dir.).

Porém, o fato das células-tronco adultas não apresentarem a plasticidade das embrionárias restringe a sua utilização em alguns tratamentos, pois nenhuma delas foi capaz, até o momento, de se diferenciar em certos tipos celulares, como por exemplo, as células produtoras de insulina.

O trabalho do grupo alemão é importante justamente por reunir as qualidades de ambos os tipos de células-tronco. “As células adultas que apresentam plasticidade são um grande passo para acabar com os problemas éticos que vêm sendo enfrentados atualmente”, avalia o cardiologista José Eduardo Krieger, vice-coordenador do projeto que estuda células-tronco adultas no Incor. “Se esta nova descoberta se reproduzir em humanos, pode ser um avanço importante para a pesquisa de reparação de órgãos humanos.”

Marina Verjovsky
Ciência Hoje On-line
31/03/2006