Supersoldado em potencial

Mesmo sob óticas totalmente distintas, Lamarck e Darwin afirmavam que o meio ambiente tinha importância fundamental para o desenvolvimento das espécies. Um artigo publicado em edição recente da revista Science parece reforçar essa ideia.

Pesquisadores do Canadá conseguiram induzir, em laboratório, o desenvolvimento de supersoldados de uma espécie de formiga – Pheidole morrisi – em que esse tipo de subcasta ainda não havia sido observado na natureza, provavelmente por falta de estímulos ambientais.

Normalmente, em um formigueiro, encontram-se castas de formigas rainhas e de operárias. Estas, por sua vez, podem se dividir em outras subcastas. No gênero Pheidole, ao qual pertencem as formigas em questão, as operárias se dividem em duas subcastas: as operárias menores e as soldados.

No entanto, algumas espécies do gênero apresentam ainda uma terceira subcasta, a das supersoldados. Elas são muito maiores que suas companheiras e, assim como as soldados, têm a função de defender a colônia.

Formigueiro
Normalmente, em um formigueiro, encontram-se castas de formigas rainhas e de operárias. Estas, por sua vez, podem se dividir em outras subcastas. Uma das mais raras é a subcasta das supersoldados, formigas gigantes e grandes defensoras. (foto: Subhadip Mukherjee/ Sxc.hu)

Acostumados a coletar formigas P. morrisi, a equipe liderada pelo biólogo Ehab Abouheif, da Universidade McGill, no Canadá, se deparou com indivíduos anômalos, maiores do que todos os outros e semelhantes às formigas supersoldados. O fato de a espécie nunca ter apresentado fenótipos dessa subcasta intrigou o grupo.

Partindo do pressuposto de que essas características teriam a mesma origem genética das compartilhadas por supersoldados, os pesquisadores decidiram comparar o desenvolvimento de formigas P. morrisi com outras duas espécies que expressam supersoldados, P. rhea e P. obtusospinosa.

Os cientistas concluíram que, provavelmente, a habilidade genética de gerar supersoldados é uma característica presente no ancestral comum de todas as Pheidole

A transformação de uma larva em supersoldado ocorre durante o seu estágio final de desenvolvimento e é altamente influenciada pela nutrição e mediada pelo hormônio juvenil, que participa de diversas funções do ciclo de vida de insetos. Cientes disso, Abouheif e equipe aplicaram um análogo desse hormônio em larvas de P. morrisi, identificando características parecidas com as das larvas das outras duas espécies.

Os cientistas concluíram que, provavelmente, a habilidade genética de gerar supersoldados é uma característica presente no ancestral comum de todas as Pheidole. Esse potencial de expressão teria se mantido nos indivíduos até hoje, podendo ser silenciado ou estimulado por fatores ambientais.

Combustível para a evolução

Na avaliação de Abouheif, as implicações do estudo vão muito além das formigas. O biólogo destaca a importância do trabalho ao conferir uma nova função para o ambiente na interação com os genes, abrindo as portas para a identificação de uma maior diversidade fenotípica entre indivíduos geneticamente semelhantes.

“Tende-se a desqualificar o papel do ambiente no processo evolutivo”, afirma Abouheif. “Todos sabemos que as mutações aleatórias são a maior causa de variabilidade genética. No entanto, queremos demonstrar que características ancestrais silenciosas podem ser desencadeadas por variações do meio e ser um grande combustível para a evolução.”

Características ancestrais silenciosas podem ser desencadeadas por variações do meio e ser um grande combustível para a evolução

Ele afirma que essas características ancestrais silenciosas são muitas vezes desprezadas pela comunidade científica, sendo consideradas ‘aberrações’ e ‘deslizes do desenvolvimento’.

“As formigas supersoldados são muito raras na natureza e sua existência é vista como um ‘beco sem saída’ evolucionário, mas não se pode ignorar o fato de que esse traço é recorrentemente invocado na natureza”, defende o biólogo. “Enxergamos o processo evolutivo como algo totalmente aleatório, e a ideia de que uma característica ancestral possa direcioná-lo de alguma maneira parece deixar as pessoas nervosas”, reforça.

Paula Padilha
CHC On-line