Transgênico 100% nacional

Ainda que sem unanimidade, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou, na semana passada, a produção comercial do primeiro organismo geneticamente modificado desenvolvido totalmente no Brasil – uma variedade de feijão-carioquinha resistente ao vírus do mosaico dourado.

O produto saiu dos laboratórios da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e deve ser disponibilizado no mercado para agricultores até 2014, segundo previsão dos pesquisadores responsáveis pelo estudo. Depois de liberada comercialmente, a nova variedade de feijão precisa passar por testes para ser registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

O mosaico dourado atinge plantações de feijão em quasetodo o país, gerando perdas de 80 a 280 mil toneladas do grão anualmente

O mosaico dourado é uma doença que atinge plantações de feijão em quase todo o país, gerando perdas de 80 a 280 mil toneladas do grão anualmente. Segundo estimativa da Embrapa Arroz e Feijão, o volume perdido por conta da doença seria suficiente para alimentar de 5 a 10 milhões de pessoas. No Brasil, apenas o Rio Grande do Sul está livre da praga, já que a mosca-branca, transmissora do vírus, não se adapta bem às condições climáticas do estado.

Para tornar o feijão imune ao vírus, os pesquisadores utilizaram um mecanismo conhecido como RNA interferente. “Uma estratégia que a natureza já usa”, explica o engenheiro agrônomo Francisco Aragão, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, que coordenou a pesquisa juntamente com o agrônomo Josias Faria, da Embrapa Arroz e Feijão.

RNAs interferentes inibem a ação de genes específicos. “Qualquer planta tem RNAs interferentes que a tornam resistente a 99,9% dos vírus”, explica Aragão. “Mas isso não a impede de ser suscetível a dois ou três agentes infecciosos.” O que os pesquisadores fizeram foi mimetizar o funcionamento de um RNA interferente de modo a tornar o feijão resistente especificamente ao vírus do mosaico dourado.

Como não tem qualquer proteína diferente do feijão tradicional, o transgênico da Embrapa não apresenta, segundo os pesquisadores, risco de alergenicidade e toxicidade. O RNA interferente utilizado, aliás, já é encontrado no feijão, porém ele só aparece depois que o feijoeiro já está contaminado, como mecanismo de defesa.

A busca por uma forma de tornar a leguminosa resistente à doença se estendia por mais de 30 anos em todo o mundo. Na Embrapa, os estudos que culminaram na semente transgênica aprovada na semana passada começaram há cerca de uma década.

Plantação de feijão transgênico
Plantação de feijão transgênico cultivada pela Embrapa Arroz e Feijão, em Goiânia (GO). Entrada do produto no mercado deve impulsionar a produção da leguminosa no Brasil. (foto: Francisco Aragão/ Embrapa)

Aprovação

A liberação comercial do feijão transgênico não foi unanimidade entre os membros da CTNBio. O produto foi aprovado com 15 votos favoráveis contra cinco pedidos de mais informações e duas abstenções.

O representante do Ministério da Saúde na comissão, por exemplo, afirmou que, com os dados disponíveis, não será possível monitorar da maneira adequada os eventuais efeitos adversos da nova semente quando consumida em grande escala. A legislação brasileira exige que todo produto transgênico fique sob vigilância por cinco anos após a entrada no mercado.

“Há realmente uma dificuldade de monitorar os efeitos do feijão na saúde humana, mas isso porque ninguém come apenas feijão em uma refeição, e uma eventual reação adversa poderia ser atribuída a qualquer alimento consumido”, defende Aragão.

Entre os testes por que a semente passou antes de ser aprovada estão avaliações de segurança para o meio ambiente e para o consumo humano. “Começamos com a caracterização molecular, fizemos cruzamentos com outros tipos de feijão, testamos a interação entre a nova variedade e populações de microrganismos presentes no solo brasileiro”, explica o pesquisador. O grão foi usado ainda na alimentação de mamíferos e não foi observada qualquer reação adversa.

Impacto social

A entrada do feijão geneticamente modificado da Embrapa no mercado deve impulsionar a produção da leguminosa no Brasil. Como a tecnologia utilizada foi desenvolvida totalmente por uma empresa pública brasileira, os agricultores interessados não precisarão pagar qualquer tipo de royalty.

“As sementes deverão ter o mesmo preço das do feijão tradicional”, diz Aragão. Como o feijoeiro está livre do risco de contaminação, medidas contra a mosca-branca, como o uso de inseticidas, poderão ser dispensadas. De acordo com o engenheiro, a mesma modificação feita no feijão-carioquinha pode ser replicada em outros grupos, como o do feijão-preto.

A CTNBio já liberou comercialmente mais de 30 plantas geneticamente modificadas

A CTNBio já liberou comercialmente mais de 30 plantas geneticamente modificadas. O feijão resistente ao vírus do mosaico dourado é o segundo desenvolvido nos laboratórios da Embrapa e é o primeiro que utiliza tecnologia 100% nacional. A instituição já teve aprovada, em 2010, uma variedade de soja tolerante a herbicidas, obtida em parceria com a empresa alemã Basf.

Segundo a Embrapa, o Brasil ocupa o primeiro lugar na produção mundial de feijão, mas a demanda interna ainda não é totalmente suprida, principalmente por conta das perdas causadas por pragas. Cerca de 80% da área plantada está em pequenas propriedades, de menos de 100 hectares.

Célio Yano

Ciência Hoje On-line/ PR