Três cientistas e uma descoberta

A história da ciência está repleta de exemplos de controvérsias sobre a paternidade de grandes descobertas. A briga entre Newton e Leibniz pela criação do cálculo integral e a polêmica sobre quem inventou o avião (Santos-Dumont ou os irmãos Wright?) são apenas alguns dos casos mais conhecidos.

A descoberta do oxigênio, um passo fundamental para que a química atingisse a maioridade no século 18, é um exemplo um pouco mais complexo, que envolve três cientistas. São apontados como responsáveis ora o sueco Carl Wilhelm Scheele (1742-1786), ora o inglês Joseph Priestley (1733-1804), ora o francês Antoine Lavoisier (1743-1894). A qual deles seria mais justo atribuir o feito?

null A questão está no centro da trama da peça Oxigênio, que tem pela primeira vez sua tradução editada no Brasil. Os autores são dois tarimbados químicos americanos: Roald Hoffmann, que ganhou o Nobel em 1981, e Carl Djerassi, inventor da primeira pílula anticoncepcional e mais tarde convertido em autor de romances de temática científica.

Para discutir a primazia da descoberta e a ética científica, Hoffmann e Djerassi recorrem a dois planos diferentes em que a ação se desenrola. No primeiro, estamos em Estocolmo, em 2001. Por ocasião dos festejos do centenário do Nobel, o comitê organizador do evento decide oferecer um “prêmio retroativo” para o descobridor do oxigênio. Seus membros partem em busca de evidências históricas do papel de Scheele, Priestley e Lavoisier e discutem o mérito de cada um.

Paralelamente, a peça encena um encontro fictício entre os três, ocorrido na mesma Estocolmo, em 1777, a convite do rei Gustavo III da Suécia, para decidir uma vez por todas quem havia descoberto o oxigênio. Nesse encontro, os cientistas — e suas esposas, que têm atuação fundamental — defendem, cada um à sua maneira, a primazia na descoberta.

Mas qual deles teria razão? A peça obviamente não traz a resposta, mas ajuda a entender a complexidade da questão. Scheele, é certo, foi o primeiro a identificar em laboratório, por volta de 1772, o elemento que ele chamou de “gás da vida”. Em 1774, Priestley faria o mesmo de forma independente na Inglaterra, com uma diferença: ele tornou pública a obtenção de seu “ar desflogisticado”. No entanto, ambos enquadravam a descoberta na teoria do flogístico, que seria superada na química moderna. E aí entra Lavoisier: em 1777, ele ofereceu uma interpretação adequada para o papel daquele novo elemento, que ele batizou de oxigênio.

Desde 2001, quando teve sua première mundial em San Diego (EUA), Oxigênio foi representada e traduzida em diversos países. A edição brasileira foi cuidadosamente vertida pelo historiador da química Juergen Heinrich Maar. Embora o texto só ganhe sua real dimensão quando encenado no palco, a peça pode ser lida de forma autônoma sem grande prejuízo. A leitura deve suscitar reflexões instigantes: afinal, como apontam os autores na introdução, “os temas éticos sobre prioridade e descoberta, que estão no centro desta peça, são tão atuais hoje quanto foram em 1777”.

Oxigênio
Carl Djerassi e Roald Hoffmann
Tradução: Juergen Heinrich Maar
Rio de Janeiro, 2004, Vieira & Lent
Fone: (21) 2262-8314
144 páginas – R$ 28,00

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
25/06/04