Troca de identidade

O crânio da nova espécie de morcego – Xeronycteris vieirai (esq.) – é mais alongado que o da espécie Lonchophylla bokermanni (dir.)
(foto: Marcelo R. Nogueira)

Durante trinta anos, um grupo de morcegos encontrado na região da caatinga, no Nordeste do Brasil, foi identificado como pertencente a um outro gênero da mesma família. Só agora pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais, e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) desfizeram o equívoco e classificaram esses mamíferos em um novo gênero, batizado Xeronycteris(do grego xero, que significa ‘seco’). Esse gênero tem apenas uma espécie – X. vieirai–, descrita pelo grupo em um artigo publicado em 2005 na revista norte-americana Journal of Mammalogy.

 
Capturados na década de 1970, na região conhecida como Cocorobó (perto de Canudos, norte da Bahia), os morcegos foram então atribuídos ao gênero Lonchophylla . Em uma expedição de campo realizada em 1993, porém, o biólogo Albert David Ditchfield percebeu algumas características que diferenciam esses animais dos outros do mesmo gênero. Somente no final da década de 1990 os espécimes foram reanalisados pelo biólogo Renato Gregorin, profesor da Ufla, que concluiu que era preciso rever sua classificação.
 
Segundo Gregorin, esses morcegos apresentavam redução dos dentes pré-molar e molar, além de terem a cabeça um pouco mais alongada em comparação aos outros animais já estudados. “Essa redução dentária – que se assemelha a uma lâmina, de tão fina – sugere que eles têm hábitos alimentares distintos”, afirma o pesquisador. “Acreditamos que a dieta desses animais seja exclusivamente líquida, isto é, composta apenas de néctar.”
 
Além dos animais usados na descrição original da espécie, que hoje se encontram no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, Ditchfield coletou outro espécime no interior da Paraíba. “Essas descobertas, apesar de isoladas, são extremamente importantes, já que pouco sabemos sobre a Xeronycteris vieirai ”, diz Gregorin. “Precisamos estudar ainda seus costumes, sua alimentação, sua população e os locais onde podemos encontrá-la.”
 

Sítio onde um exemplar da nova espécie foi capturado no município de Jaíba, norte de Minas Gerais (área de caatinga). (foto: Marcelo R. Nogueira)

Para o biólogo, a falta de estudos sobre a nova espécie já é um motivo de preocupação, pois a região da caatinga – onde ela é encontrada em sua maioria – está sendo devastada. “Provavelmente, o Xeronycteris vieirai entrará na próxima lista de animais ameaçados de extinção”, prevê o pesquisador.

 
Outros especialistas já observaram o morcego em diversos lugares do país. Um deles é o biólogo Marcelo Nogueira, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), que encontrou, em 1995, um exemplar no norte de Minas Gerais. ”Na época da captura, também percebi essa diferença morfológica no animal”, afirma Nogueira. “Paralelamente ao trabalho do Gregorin, estudei essa mesma espécie e agora concluo um artigo sobre o registro do mamífero na restrita área da caatinga em Minas.”

Mário Cesar Filho
Ciência Hoje On-line
03/01/2006