Um caso único no universo

Um obscuro objeto da constelação de Unicórnio tem intrigado astrônomos do Space Telescope Science Institute, em Baltimore (Estados Unidos). Por alguns instantes, a estrela V838 Monocerotis se tornou a mais brilhante do universo: ela atingiu uma luminosidade 600 mil vezes maior que a do Sol. O fato poderia ser atribuído às explosões que ocorrem durante o ciclo de vida desses astros, mas a estrela não se enquadra em nenhuma das teorias de evolução estelar conhecidas até hoje.

No auge do seu brilho, a V838 Monocerotis – que fica a 20 mil anos-
luz da Terra – podia ser vista com um binóculo. Agora, só pode ser
observada com a ajuda de telescópios. (fotos: Nasa/ESA/H.E.Bond)

O súbito aumento de brilho da V838 Mon foi percebido em janeiro de 2002. A princípio os astrônomos acreditaram estar diante de uma nova — grande explosão que ocorre em sistemas binários (compostos por duas estrelas) como a V838. Mas a estrela quebrou todos os padrões conhecidos de nova e não ejetou suas camadas exteriores, como seria esperado. Além disso, ela aumentou seu tamanho e diminuiu a temperatura, o que é totalmente atípico. “Estamos tendo muito trabalho para entender essa explosão, que não tem comportamento previsto pelas teorias atuais”, diz o astrônomo Howard Bond, líder da equipe de observação.

Outro fator interessante chamou a atenção dos especialistas: a explosão originou um ‘eco de luz’, fenômeno que não era observado desde 1936. “Muitas estrelas estão envolvidas em ‘nuvens’, cujo principal constituinte são grãos de poeira”, explica o astrofísico Walter Maciel, da Universidade de São Paulo. “Os raios luminosos emitidos pela estrela são refletidos nesses grãos, o que forma o ‘eco’.” Essa luz refletida percorre um caminho maior para alcançar a Terra, e por isso pode chegar a nós com até alguns meses de atraso.

 

O eco de luz faz com que as camadas de poeira que envolvem a estrela sejam iluminadas seqüencialmente ao longo dos meses

O que faz a V838 Mon tão intrigante para os astrônomos é a combinação de particularidades que ela apresenta. Envoltória de poeira, indícios de explosão de nova: a estrela apresenta propriedades de diferentes astros. “Este parece ser um objeto único”, diz Maciel. “Ele tem características de algumas classes de estrelas que conhecemos, mas não se ajusta completamente nelas, o que o torna particularmente interessante.”

 

As peculiaridades da estrela são tantas que é possível que ela represente um estágio transitório de evolução estelar que, por ser muito rápido, quase nunca é visto. Na evolução desses astros existem diversas etapas que duram cerca de mil anos ou menos. Mas a maior parte das estrelas, inclusive nosso Sol, encontra-se num longo estágio que dura bilhões de anos. Isso torna muito pequena a probabilidade de encontrar astros em um dos estágios curtos.

O estudo das propriedades da V838 Mon pode ajudar os astrônomos a compreender o que ocorre ao redor de uma estrela em plena evolução. Os detalhes revelados pelo eco de luz serão utilizados para desvendar a estrutura tridimensional das camadas de poeira que envolvem algumas estrelas. Atualmente o eco se expandiu e alcançou o dobro do diâmetro angular de Júpiter no céu. Para Howard Bond, ele poderá ser visto durante toda esta década, o que permitiria ainda muitos anos de observação.

Gisele Lopes
Ciência Hoje on-line
16/04/03