Um mal-entendido cultural

O jornalismo praticado pela grande imprensa não colabora com o diálogo intercultural entre índios e não-índios do Brasil. Quem afirma é o jornalista Maurício Bittencourt, que desenvolveu sua dissertação de mestrado sobre o tema na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.

Maurício partiu da constatação de que a interação entre índios e não-índios nunca foi efetivamente estabelecida no Brasil — “um país cuja identidade está em formação”. Segundo ele, nossa sociedade ainda carrega uma imagem estereotipada das cerca de 200 etnias indígenas que coabitam no território.

Para avaliar a tendência da cobertura da grande imprensa, o pesquisador identificou os atores a quem foi dada a palavra nos textos que faziam alguma referência à realidade indígena. Ele acompanhou, de abril a junho de 2003, os quatro principais jornais do país: O Globo , Jornal do Brasil , O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo .

Num total de 364 edições, foram identificadas 64 matérias sobre o tema, 21 das quais não reproduziam declarações de qualquer fonte. Com o universo reduzido às 43 reportagens restantes, Maurício concluiu que em 46,5% dos casos não foram ouvidos integrantes de sociedades indígenas.

Paralelamente, o jornalista procurou seis profissionais — índios e não-índios — que atuam na comunicação entre os dois grupos culturais. Sua idéia era, por meio de entrevistas, captar opiniões elucidativas sobre a atual cobertura da imprensa. Segundo ele, os depoimentos foram coerentes entre si e confirmaram que as matérias são construídas majoritariamente a partir da perspectiva não-indígena. Além disso, foi consenso que, quando o assunto se refere aos índios, a mídia dá destaque maior aos conflitos.

Essa atitude, segundo Maurício, pode gerar prejuízos para ambos os lados. “Quando priorizamos a cobertura de conflitos, deixamos de ter acesso a um patrimônio riquíssimo que pertence às tradições indígenas, suas atividades culturais e alternativas econômicas”, afirma. “Por outro lado, os índios não querem viver numa redoma e precisam da comunicação de massa para que suas mensagens cheguem sem distorções à sociedade brasileira, o que pode ampliar suas possibilidades de sobrevivência.”

Sugestões para promover um diálogo intercultural igualitário também são apresentadas na dissertação. Segundo o pesquisador, os jornalistas deveriam se comprometer a entrevistar pelo menos um representante indígena sempre que o assunto se referisse à sua etnia. “O jornalista deve pesquisar a cultura em questão, a história da região abordada e consultar um especialista”, argumenta Maurício. “Como em toda reportagem, ele deve também se despir de qualquer tipo de preconceito.”

 

Interessados em entrar em contato com Maurício
Bittencourt devem escrever para maubit@hotmail.com

Carolina Benjamin
Ciência Hoje On-line
22/06/04