Um novo vilão

Na história da poluição dos rios, ganha papel de destaque um personagem desconsiderado até aqui: a drenagem urbana, apontada em recente estudo do Grupo de Química Ambiental (GQA) da Universidade Federal do Paraná. “É preciso desfazer o mito de que a poluição dos rios está essencialmente ligada à atividade industrial”, diz o químico Marco Grassi, do GQA. Segundo ele, as chuvas fortes lavam as ruas e carreiam resíduos do solo – inclusive metais pesados – até o corpo d’água mais próximo. Devido ao calçamento e às construções, o solo das áreas urbanas é impermeável à água que recebe. A canalização de rios também contribui para que a água se concentre nesse sistema de drenagem.
 
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Pesquisador coleta amostra de água do rio Iguaçu na divisa dos municípios de Curitiba e São José dos Pinhais
(fotos: Grupo de Química Ambiental / UFPR)

De acordo com dados da equipe de Grassi, os contaminantes que chegam aos rios por intermédio da drenagem urbana competem ‘meio a meio’ com a atividade industrial e o esgoto residencial. São metais pesados sem função biológica conhecida que podem, na maioria das vezes, causar desequilíbrio ambiental ou, via cadeia alimentar, prejudicar a saúde humana. Em estudo feito em Curitiba em uma área de drenagem de 30 km 2 , os números revelam acúmulo anual de aproximadamente 1.500 kg de chumbo, 900 kg de cobre e 25 kg de cádmio. Esses metais mereceram a atenção da equipe por serem indicadores de atividade humana.

 
As substâncias analisadas têm origem em óleos lubrificantes de veículos, pneus, pastilhas de freio, pavimentação asfáltica, tintas de parede e telhado, entre outros produtos que contêm metais pesados. Além disso, a queima de combustíveis fósseis lança esses metais na atmosfera que, lavados pela chuva, também atingem o leito dos rios.
 
A preocupação com os poluentes levados para os rios pela drenagem superficial teve início há cinco anos, quando a equipe começou a estudar a contaminação por cobre das águas dos rios Iguaçu e Iraí, nas imediações de Curitiba. “Foi quando percebemos que a drenagem urbana podia contaminar os rios”, conta Grassi.
 
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A água da chuva lava as áreas urbanas e desemboca nos rios próximos às cidades

Com esse enfoque, durante um ano o grupo coletou amostras de água de chuva no bairro Bacacheri, zona norte da capital, antes de sua chegada ao rio de mesmo nome, afluente do Iguaçu. “Escolhemos a bacia desse rio por motivo operacional; se investigarmos outra área, provavelmente teremos outros resultados”, pondera Grassi. Segundo ele, a poluição pela água da chuva vai depender do local e da atividade humana ali realizada. Regiões dotadas de áreas verdes, que permitem a absorção de chuva pelo solo, e com menor movimento de veículos, por exemplo, vão poluir menos os rios vizinhos.

 
Após as coletas, a água foi analisada, e os pesquisadores observaram que a maioria dos metais vinham ligados a partículas ou agregados sólidos. Por isso, foi preciso desenvolver um método para separá-los das partículas sólidas e então quantificá-los. O processo centra-se no emprego de um reator que, aquecido por microondas, gera uma radiação capaz de separar os metais das partículas.
 
De posse de números expressivos, a equipe de Grassi sugere medidas para minimizar o problema, entre elas a produção de asfaltos mais permeáveis à água e a criação de áreas verdes, que ajudam a absorvê-la. Ele elogia a ação dos condomínios que captam água de chuva para fins menos nobres, como lavar calçadas e regar plantas. Como a maior parte dos metais (75% do chumbo e 50% do cobre) está associada a partículas sólidas, a simples varrição mecanizada das ruas impediria a chegada de boa parcela desses resíduos aos corpos d’água.
 

O objetivo do GQA no momento é pesquisar a origem dos metais que contaminam os rios para sugerir às indústrias de tinta, pavimentação e material automotivo, por exemplo, que usem material menos poluente na composição de seus produtos. 

Murilo Alves Pereira
Especial para a CH On-line / PR
05/08/05