Um passo além

 

Células-tronco embrionárias humanas produzidas em laboratório estrangeiro. Com a obtenção da linhagem BR-1, o Brasil torna-se independente para levar adiante suas pesquisas em terapia celular (imagem: Wikimedia Commons).

Expoentes da biociência de vários países comemoraram o anúncio da primeira linhagem brasileira de células-tronco embrionárias humanas durante o III Simpósio Internacional de Terapia Celular, que está em curso em Curitiba (PR). Em comunicação proferida durante o evento nesta quinta-feira, a geneticista Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que o feito – “um divisor de águas na ciência brasileira” – contribuirá decisivamente para melhorar a saúde humana.

Com a colaboração do pesquisador Stevens Rehen, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pereira coordenou os trabalhos que levaram à obtenção da nova linhagem de células-tronco, denominada BR-1. “Com isso, os pesquisadores brasileiros tornam-se independentes de laboratórios estrangeiros para levar adiante suas pesquisas na área de terapia celular”, disse Rehen. Ele lembrou ainda que a obtenção da nova linhagem barateará o custo das pesquisas.

As células-tronco BR-1 foram obtidas de um embrião congelado cedido por uma das clínicas de fertilização in vitro que colaboram com a equipe, seguindo as exigências da lei brasileira: embriões congelados há pelo menos três anos e autorização dos pais para os estudos. Para chegar à nova linhagem, os pesquisadores descongelaram aproximadamente 250 embriões, 35 dos quais se desenvolveram até o estágio em que as células são extraídas.

As equipes da USP e da UFRJ que obtiveram a linhagem BR-1 pretendem distribuir amostras dessas células a outros centros de pesquisa do país que trabalham na área. “Queremos incentivar a colaboração e unir forças, com o objetivo de trocar informações e alavancar as investigações”, disse Lygia Pereira. “Todo mundo sairá ganhando”, concluiu. Os pesquisadores pretendem agora multiplicar a linhagem recém-obtida, o que deverá ocorrer em um período de aproximadamente três meses.

Ainda longe da cura de doenças
Pereira alerta para o fato de que o desenvolvimento da nova linhagem de células – “um passo importante, sério e responsável” – não significa que a cura de determinadas doenças tenha sido automaticamente conquistada. “Há muito a se fazer ainda”, ressaltou.

Mas essas células constituem ferramentas científicas extremamente versáteis, podendo dar origem a diferentes tipos celulares (células sangüíneas, nervosas, musculares…). Além disso, são um material promissor para o tratamento de doenças cardiovasculares (patologias que mais matam no mundo ocidental atualmente), doenças neurodegenerativas (como mal de Parkinson e Alzheimer) e outras, como o diabetes.

A autonomia científica dos grupos de pesquisa brasileiros na área de terapia celular deverá consolidar-se com a criação, pelo Ministério da Saúde, de uma Rede Nacional de Terapia Celular, possivelmente com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Juntos, o ministério e o banco pretendem investir R$ 21 milhões no biênio 2008-2009. Segundo Rehen, além de centralizar informações para uso dos cientistas, a rede deverá treinar equipes para o cultivo de novas linhagens de células-tronco.

Com o desenvolvimento da linhagem BR-1, o Brasil se torna líder na América Latina no campo das pesquisas com células-tronco. “Quando há vontade política e se criam condições adequadas para a realização de pesquisas – como ocorre nos Estados Unidos e está ocorrendo no Brasil neste momento –, os resultados positivos aparecem”, disse Pereira, em tom otimista.


Luan Galani
Especial para a CH On-line / PR
02/10/2008