Um perfil das primeiras estrelas

As primeiras estrelas, formadas alguns milhões de anos depois do Big Bang, evento que teria dado origem ao Universo há 13,7 bilhões de anos, eram enormes – dez vezes maiores que o nosso Sol – e giravam como loucas. É o que mostra estudo liderado por uma astrônoma brasileira publicado na última edição da revista Nature.

Por serem muito grandes, essas estrelas anciãs viviam pouco. Hoje nenhuma delas está viva para contar a história. Mas os elementos químicos que as compunham ainda podem ser encontrados no espaço, pois, quando as estrelas morrem, deixam para trás um rastro de substâncias que são reincorporadas durante a formação de novas estrelas.

Para descobrir como eram as estrelas mais antigas, Cristina Chiappini, radicada no Instituto Astrofísico de Potsdam, na Alemanha, e mais sete astrônomos de vários países, incluindo outra brasileira, da Universidade de São Paulo (USP), reanalisaram dados coletados pelo Very Large Telescope, do Observatório Europeu do Sul, sobre oito estrelas do aglomerado NGC 6522.

Primeiras estrelas
Os pesquisadores analisaram dados anteriores detectados pelo ‘Very Large Telescope’ (na foto), do Observatório Europeu do Sul, e descobriram que as primeiras estrelas tinham altos níveis de elementos pesados em sua composição. (foto: Adam Hart-Davis)

Esses astros, que têm 12 bilhões de anos, estão entre os mais antigos da nossa galáxia e carregam em sua estrutura substâncias das primeiras estrelas. Por serem menores, com tamanho semelhante ao do nosso Sol, essas estrelas vivem muito e sobrevivem até hoje como testemunhas do início do universo.

No aglomerado estelar, os pesquisadores encontraram altos índices de elementos pesados, como estrôncio e ítrio, que, segundo eles, só poderiam ter sido formados por estrelas de grande massa e de rotação mais veloz do que se pensava que tinham as primeiras estrelas.

“Esse é um forte indício de que as primeiras gerações de estrelas no universo giravam mais rapidamente do que se observa hoje nas estrelas de grande massa”, afirma Chiappini. 

Há um forte indício de que as primeiras estrelas giravam mais rapidamente do que se observa hoje nas estrelas de grande massa

Segundo o modelo desenvolvido pela astrônoma, para formar esses elementos, as estrelas mais antigas teriam que ter uma rotação de 500 quilômetros por segundo, velocidade muito superior à encontrada nas grandes estrelas observadas atualmente, de cerca de 100 km/s.

A alta velocidade de rotação explica a presença desses elementos pesados porque, como em uma batedeira mexendo uma massa de bolo, ela provoca a mistura das camadas de gases que formam as estrelas. Isso favorece as reações químicas que dão origem a elementos mais pesados, como os encontrados durante a pesquisa.

Chiappini conta que já estudava esse fenômeno de produção de elementos pesados em estrelas com alta rotação há vários anos, quando leu um artigo da professora Beatriz Barbuy, da USP, que mostrava altas concentrações de bário e lantânio no aglomerado NGC.

“Logo que li o trabalho, fiz a conexão com os resultados do meu grupo de pesquisa, iniciamos a procura por mais elementos pesados nas estrelas e – bingo! – tudo se encaixou exatamente como previsto pelos modelos”, lembra a pesquisadora.

Conglomerado de estrelas
Conglomerado de estrelas NGC 6522. A partir da observação de oito desses astros, os pesquisadores puderam deduzir que as primeiras estrelas tinham alta velocidade de rotação. (foto: Mount Lemmon SkyCenter/ University of Arizona)

Faça-se a luz!

Caso a teoria levantada pelo estudo esteja correta, as primeiras estrelas teriam desempenhado um papel ainda mais importante na formação do universo do que o proposto por pesquisas anteriores.

Elas surgiram durante a chamada fase escura do universo, quando não havia luz, e, segundo a astrônoma, podem ter sido grandes responsáveis pela transição para a fase de reionização, quando o espaço saiu do escuro e ganhou diversidade de elementos químicos.

“Nossos cálculos mostram que essas estrelas podem ter enriquecido o espaço com elementos pesados e ter sido mais luminosas, contribuindo para a saída da fase de escuridão”, afirma Chiappini.

“Essas estrelas podem ter enriquecido o espaço com elementos pesados e ter sido mais luminosas, contribuindo para a saída da fase de escuridão”

Além disso, o estudo sugere que, devido à alta velocidade de rotação, é provável que a morte das primeiras estrelas tenha levado à ocorrência de explosões de raios gama, um dos fenômenos mais energéticos e luminosos de que se tem conhecimento no universo.

Essa hipótese alimenta as esperanças de que ainda seja possível enxergar a luz emitida durante a morte dessas estrelas por meio de telescópios em órbita. Atualmente, o JWST e o Hubble, telescópios espaciais da Nasa capazes de detectar raios gama, procuram esse vestígio.

“São observações muito ‘profundas’, de galáxias muito distantes”, analisa Chiappini. E pondera: “Existe a possibilidade de conseguirmos olhar para esse belo passado, mas ainda estamos longe de conquistar esse feito.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line