Um planeta menos vermelho no passado

 

Como as esférulas foram encontradas em diversos estratos do sedimento, elas não poderiam ter sido criadas pela ação localizada de um vulcão ou meteoro. Isso é mais um argumento que reforça a hipótese de que o afloramento rochoso estudado esteve encharcado no passado.

 

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Um planeta menos vermelho no passado
Análise de rochas por jipes da Nasa confirma que Marte teve água em estado líquido

Agora não há mais dúvidas: realmente existiu água em estado líquido em Marte. Amostras de rocha colhidas pelo jipe da Nasa Opportunity comprovam de uma vez por todas que o planeta vermelho pode já ter sido mais azul. Anunciada em 2 de março pela agência espacial norte-americana, a confirmação da existência passada de água em Marte reforça uma dúvida antiga: será que o planeta vermelho já foi quente, úmido e cheio de vida como o nosso?

Imagem panorâmica da planície marciana Meridiani Planum . Ao fundo, vê-se o afloramento rochoso de onde foram retiradas as amostras que confirmaram a existência passada de água no planeta vermelho (fotos: Nasa/JPL/Cornell)

Identificar vestígios da presença de água em outros planetas, mesmo que num passado remoto, é o primeiro passo para se encontrar indícios de vida similar à que temos na Terra. “A Nasa lançou a missão Mars Exploration Rover especificamente para verificar se ao menos uma parte de Marte já teve um ambiente persistentemente úmido que possa ter sido hospitaleiro à vida”, disse em entrevista coletiva na sede da Nasa James Garvin, cientista-chefe dos programas de exploração da Lua e de Marte. “Hoje temos fortes evidências para uma resposta empolgante: sim.”

A partir da análise da superfície feita pelo jipe Opportunity , a equipe da missão Mars Exploration Rover indicou traços na textura e na composição química de rochas da planície Meridiani Planum , situada no equador marciano, que só poderiam ter sido causados pela ação de água líquida. “Fomos capazes de ler as pistas reveladoras deixadas pela água, que nos deram confiança nessa conclusão,” disse o pesquisador Steve Squyres, da Universidade de Cornell (EUA), que ajudou a desenvolver os instrumentos dos jipes de exploração de Marte.

 

O jipe Opportunity ‘aterrissou’ em Marte em 25 de janeiro. A Nasa enviou ainda um segundo jipe idêntico a ele para explorar o planeta – o Spirit , que chegou 3 semanas antes

Foram encontrados diversos vestígios químicos da existência de água líquida no passado. O espectrômetro Mössbauer, instrumento de tecnologia alemã capaz de indicar a composição de minerais do solo marciano, encontrou diversos sais de sulfato na superfície do afloramento rochoso estudado. Um deles era a jarosita, mineral secundário formado pela ação da água em minerais ferruginosos originais. Essas substâncias só poderiam ter se formado pelo processo de precipitação de sais que ocorre com a evaporação da água.

 

A análise das rochas também indicou traços físicos característicos de ambientes que já possuíram água em abundância, como pequenas esferas rochosas e cavidades. Os sais minerais encontrados no solo marciano ocorrem em forma de geodos, cavidades em que os cristais de minerais crescem da parede para seu interior, e esférulas , pequenas esferas formadas quando os cristais crescem radialmente a partir de um ponto. Esse tipo de textura rochosa mostra que esses sais minerais precipitaram de uma solução líquida.

 

À esquerda, a rocha El Capitan, coletada e analisada pelo jipe Opportunity. Seu formato e sua textura foram modelados pela água. No detalhe à direita, uma pequena esfera rochosa que teria sido formada pela ação da água

Outra evidência física da presença de água no solo marciano no passado é a ocorrência de um fenômeno conhecido como estratificação ou acamamento cruzado, que se caracteriza pela disposição das camadas do sedimento rochoso em diferentes ângulos. Ela poderia ter sido formada tanto pelo vento como pela água, mas os cientistas descartam uma formação
 
eólica devido ao padrão côncavo da estratificação.

 

Os cientistas ainda não sabem se a área estudada era apenas um pequeno lago ou se fazia parte de um oceano maior. Também não é possível determinar por quanto tempo ela esteve submersa. Mas o primeiro passo para se descobrir se Marte já foi um planeta habitável já foi dado.

Liza Albuquerque
Ciência Hoje On-line
03/03/04