Uma barragem no meio do caminho

Em todo o mundo existem cerca de 45 mil barragens com queda d’água superior a 15 metros de altura. De acordo com relatório da Word Wildlife Fund (WWF), 60% dos maiores e mais importantes rios do planeta estão severamente afetados por essas construções, feitas no âmbito de projetos de produção de energia elétrica.

Peixes migratórios de grande porte sobem o rio na época da reprodução e desovam na parte mais alta

Diante da possibilidade de construção de novas barragens na bacia do rio Uruguai, que tem grande potencial hidrelétrico, pesquisadores do Laboratório de Ecologia Aquática da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) mapearam as espécies de peixes migratórios de grande porte do lado brasileira da bacia.

Esses peixes sobem o rio na época da reprodução e desovam na parte mais alta. Uma informação importante apurada no levantamento é que a maioria dos peixes estudados atinge uma altitude média de 400 metros, um dado importante quando se avalia o impacto das barragens.

Com área de 385 mil km², a bacia do rio Uruguai é uma das 12 regiões hidrográficas do Brasil. Desse total, cerca de 175 mil km² estão em território brasileiro, abrangendo quase 400 municípios do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. A capacidade de produção de energia elétrica da bacia, considerando-se o lado brasileiro e o argentino, é de 40,5 KW/km², uma das maiores relações de energia/km² do mundo.

Veja aqui uma galeria com imagens da pesquisa de campo feito na bacia do rio Uruguai

Bacia do rio Uruguai
Trecho brasileiro (em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul) da bacia do rio Uruguai, onde pesquisadores do Laboratório de Ecologia Aquática da PUCRS realizaram levantamento de peixes migratórios (imagem: Ministério do Meio Ambiente).

Surpresas no mapeamento

Surubim-pintado
Surubim-pintado (‘Pseudoplastystoma corruscans’). Essa espécie migradora de grande porte, restrita ao rio Uruguai e a alguns de seus afluentes, ultrapassa 1,5 m de comprimento. Ela está sob forte pressão devido à pesca predatória e à construção de usinas hidrelétricas (foto: Lucas Vieira Moreira).

A bacia do rio Uruguai insere-se na bacia do Prata e é um dos mais importantes corredores de biodiversidade aquática do Cone Sul, com diversas espécies endêmicas ou em vias de extinção. “Por isso, foi urgente conhecer a distribuição das espécies migratórias e os fatores que podem interferir nessa distribuição para auxiliar no gerenciamento da bacia”, explica o biólogo Nelson Fontoura, coordenador do estudo.

Fontoura conta que os peixes migratórios costumam percorrer muitos quilômetros, com o objetivo de estimular seus órgãos sexuais e o desenvolvimento dos gametas. “A presença de uma barragem hidrelétrica pode dificultar ou mesmo bloquear a reprodução de algumas espécies”, alerta o biólogo.

“A presença de uma barragem hidrelétrica pode dificultar ou mesmo bloquear a reprodução de algumas espécies”

O pesquisador se surpreendeu com alguns dados obtidos no levantamento. No caso da piracanjuba (Brycon orbignyanus), os registros apontaram uma queda vertiginosa do número de indivíduos nas áreas estudadas. “A piracanjuba é uma espécie pouco conhecida e está criticamente ameaçada na bacia do rio Uruguai”, diz Fontoura.

Mas a equipe constatou abundância de outras espécies na bacia. O dourado (Salminus brasiliensis) e o surubim-pintado (Pseudoplatystoma corruscans), por exemplo, aparecem em bom número no Rio Grande do Sul, na fronteira com a Argentina. No entanto, essas espécies estão vulneráveis na divisa do estado com Santa Catarina.

Pesquisa com pescadores no rio Uruguai
Pesquisadores mostram imagem de peixes a um pescador da região. Esse foi o principal método empregado no estudo da PUCRS para conhecer a situação dos peixes migratórios da bacia do rio Uruguai (foto: Nelson Fontoura).

Com a palavra, o pescador

Na parte brasileira da bacia do rio Uruguai, a equipe da PUCRS esteve em 168 diferentes pontos e entrevistou cerca de 200 pescadores. Durante as entrevistas, os cientistas mostravam fotos de espécies de peixes aos pescadores, a maioria deles residente na região há mais de três décadas. 

Cartela com fotos de peixes do rio Uruguai
Cartela com fotos de espécies de peixes migratórios apresentada a pescadores durante as entrevistas feitas por pesquisadores da PUCRS (Laboratório de Ecologia Aquática / PUCRS).

Ao ver as fotos, apontavam as espécies que costumavam capturar na área e indicavam a frequência aproximada de captura. Além da piracanjuba, do dourado e do surubim, os pescadores mencionaram também o suruvi (Steindachneridion scripta), a piava (Leporinus obtusidens) e o grumatã (Prochilodus lineatus).

A partir das respostas e com base em um software específico, foi elaborado um modelo estatístico para estimar a distribuição das espécies ao longo da bacia.

Segundo Fontoura, em breve estará concluído um mapeamento da distribuição dos peixes migratórios em todo o Rio Grande do Sul.

O próximo passo será dado pela bióloga Tatiana Kaehler, que pretende desenvolver um sistema para gerenciar informações sobre várias bacias da região; além da bacia do rio Uruguai, a equipe estudou também as dos rios Jacuí e Camaquã. O trabalho de Kaehler incluirá dados sobre a presença de determinada espécie, aspectos econômicos da região em que ocorre e potencial energético da área, entre outros.

Luan Galani
Especial para a CH On-line / PR