A retomada do projeto nuclear brasileiro, com a construção da usina Angra 3, e o acidente de Fukushima em 2011 reacenderam a polêmica questão atômica no país. Será que devemos aumentar sua participação na matriz energética brasileira? Seria possível – ou desejável – abandoná-la? E quais as perspectivas reais das fontes de energia renovável alternativas? Estas foram algumas das questões debatidas por especialistas e membros da sociedade civil e das instituições públicas do setor no 2º Seminário sobre Energia Nuclear, realizado na semana passada, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O engenheiro Joaquim Francisco de Carvalho, ex-coordenador do setor industrial do Ministério do Planejamento e ex-diretor da Nuclen (atual Eletrobrás Eletronuclear), defendeu que a melhoria das condições sociais no Brasil tem aumentado a demanda energética nacional. Segundo ele, para se consolidar como uma potência mundial, o país deve se preparar para um consumo per capita similar ao das nações desenvolvidas.
Para atender essa demanda, ele aposta nas fontes de energia hidrelétrica e eólica e na queima de biomassa. “Cerca de 60% do nosso potencial hidrelétrico é inexplorado, em especial na Amazônia”, avaliou. “Poderíamos reservar parte dessa área para preservação e desenvolver estudos de impacto ambiental para explorar o restante.” Carvalho lembrou, ainda, a possibilidade de explorar, no futuro, o gás natural das reservas de pré-sal.
O também engenheiro Manoel Antônio Costa Filho, da Uerj, destacou, porém, que a construção de novas hidrelétricas não é simples. “Onde era fácil construir usinas, isso já foi feito. O potencial amazônico é enorme, mas o relevo é desfavorável, grandes áreas seriam impactadas”, argumentou. “Teria que haver um grande investimento para proteger a biodiversidade, a instalação não seria tão econômica”, ponderou.
Costa Filho também destacou problemas relacionados a outras fontes alternativas de energia. “O cultivo de matéria-prima como biomassa, por exemplo, compete com a agricultura e incentiva o desmatamento. Já as energias eólica e solar são imprevisíveis e difíceis de armazenar”, avaliou. “Como é impossível ajustar oferta e demanda, sua exploração pode ser ampliada, mas precisa ser combinada com outras fontes e nunca poderá formar a base energética do país”, concluiu.
Nesse contexto, Farias considera a utilização da energia nuclear uma alternativa viável. “Trata-se de uma energia limpa, que pode ser produzida próxima aos grandes centros e com um baixo grau de ocupação de terreno”, afirmou. “Por outro lado, há a questão da produção do rejeito nuclear e dos riscos de acidentes”. Hoje, essa fonte corresponde a cerca de 15% da matriz energética mundial. O Brasil, apesar de ter uma das maiores reservas de urânio e dominar a tecnologia para enriquecer o minério, tem apenas duas usinas em atividade, que contribuem com cerca de 3% da energia do país.
Leonam dos Santos Guimarães, assessor da presidência da Eletronuclear e membro da Associação Internacional de Energia Nuclear (AIEA), também frisou a importância de investir na energia nuclear, mas ressaltou que a aposta nacional deve ser numa carteira diversificada de fontes. “O Brasil deve ampliar seu programa nuclear, mas seguirá o exemplo de outros países em desenvolvimento, como a China, que tem dezenas de reatores em atividade, em construção ou planejados.”
Um processo demorado
Um grande entrave para uma possível ampliação do uso da energia atômica no país, no entanto, é a dificuldade na construção de novas usinas. Angra 3, por exemplo, estava prevista para entrar em funcionamento em 2013, mas com menos de 50% da obra concluída, a inauguração foi adiada para 2016 ou até para o ano seguinte. Isso tem impacto nos custos, segundo Guimarães: “Uma usina nuclear demanda uma quantidade muito grande de investimentos; Angra 3 vai custar cerca de R$10 bilhões”, afirmou. “E, como qualquer obra, os seguidos adiamentos dos trabalhos acarretam em custos extras.”
O engenheiro lembrou que a Coreia do Sul construiu seu primeiro reator no mesmo período de Angra 1 e hoje possui mais de 20. Ele também lamentou as muitas condições impostas ao empreendimento no Brasil. “Precisamos de um novo modelo, com regras que garantam a segurança, mas não inviabilizem o projeto”, afirmou. “Devemos avaliar a possibilidade de parcerias público-privadas. Há muitas maneiras de fazer isso e manter o controle público, mas não há marco regulatório que defina essas regras.”
Os aspectos legais colocam em risco até mesmo o futuro imediato após a construção de Angra 3. O Plano Nacional de Energia prevê a implementação de ao menos mais quatro usinas até 2030 e a Eletronuclear já realizou, inclusive, estudos sobre as possíveis localidades para instalação dos novos reatores no Nordeste e no Sudeste do país. No entanto, Guimarães explica que ainda há muito o que definir antes de tirar o plano do papel. “Nem mesmo as regras para definir a localização das novas plantas estão bem definidas e isso pode acabar atrasando o projeto”, afirmou.
Farias também reforçou a necessidade de acelerar o processo: “Hoje não há nenhuma possibilidade de apagão no país por conta da produção de energia, mas é preciso planejar o futuro agora, já que cada decisão estratégica nessa área precisa ser tomada com no mínimo cinco anos de antecedência”, avaliou.
Apesar das controvérsias em torno da energia nuclear, há indícios de avanços no setor nas próximas décadas. Vive-se, no momento, a expectativa da introdução de reatores da chamada geração 3+, que, de acordo com especialistas, são melhores e mais seguros que os atuais. Além disso, países como China e Índia têm obtido bons resultados na utilização de tório como combustível nuclear, processo mais ecológico que utiliza outro mineral abundante no Brasil. Por fim, os pesquisadores ainda buscam formas de desenvolver reatores à base de fusão nuclear – uma tecnologia estudada desde a década de 1950.
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line