A ciência é fundamental para a formação de cidadãos mais preparados para interagir com o mundo ao seu redor. Mas a divulgação científica nem sempre é simples, em especial quando o objetivo é atrair a atenção de jovens e crianças ou abordar temas muito delicados.
Essa discussão serviu de base para uma das mesas do II Encontro Internacional de Divulgadores da Ciência, que debateu as especificidades da apresentação da ciência ao público infantil e o papel da arte e da criatividade na abordagem dos variados aspectos do câncer para o público jovem. O evento fez parte das comemorações dos 30 anos do Espaço Ciência Viva.
Editora assistente da Ciência Hoje das Crianças On-line, a jornalista Catarina Chagas destacou a função da mídia na relação de cada um de nós com a ciência. “Os meios de comunicação são a principal forma de contato com o conhecimento científico em qualquer idade”, afirmou. Porém, na opinião dela, o Brasil sente falta de iniciativas que se dediquem especificamente à divulgação científica para as crianças. “Isso quer dizer que o primeiro contato com esse mundo acaba se dando por meio de veículos que não possuem conteúdo e linguagem voltados para esse público”, completou.
É justamente essa a missão da Ciência Hoje das Crianças, criada em 1986 como um suplemento da revista Ciência Hoje. “Hoje, temos uma tiragem de 300 mil exemplares por mês e, embora não seja uma publicação didática, desenvolvemos diversas parcerias para a utilização da revista de forma complementar ao ensino em sala de aula, por meio do Programa Ciência Hoje de Apoio à Educação”, comemorou Chagas.
Assim como o próprio fazer científico, o trabalho de apresentar a ciência para o público infantil não se resume a transmitir conhecimentos estanques – visa, sim, estimular as interrogações. “A criança é capaz de formular e de expressar sua própria opinião e nossa tarefa é ajudá-la nessa interrogação constante do mundo”, afirmou a jornalista. “Temos muito orgulho das seções da revista criadas a partir de sugestões e demandas do próprio público infantil, como a ‘Por quê?’, a ‘Como funciona?’ e a ‘Você sabia?’”
Para romper a barreira imaginária que muitas vezes parece separar a ciência do mundo infantil, a criatividade é um dos principais trunfos, segundo Chagas. A Ciência Hoje das Crianças, por exemplo, adota um grupo de mascotes que faz grande sucesso com as crianças e tem até uma rede social própria. “A identificação com Rex, Diná e Zíper é impressionante; eles recebem muitas cartas, mensagens e carinho!”, contou. “Além disso, nos preocupamos muito com a parte gráfica e as ilustrações, pois elas ajudam a fazer a aproximação necessária das crianças com os conteúdos.”
Em breve as crianças participarão ainda mais ativamente da produção da revista, por meio de uma parceria com uma escola do Rio de Janeiro, que já usa a Ciência Hoje das Crianças em sala de aula. “Na etapa inicial do projeto, que já está acontecendo, as crianças avaliam os conteúdos já publicados”, explicou Catarina. “Nas próximas etapas, elas poderão opinar sobre o material antes da publicação e, em seguida, participar do processo de seleção dos temas abordados na revista e até escrever seus próprios textos.”
A ciência em seu labirinto (de públicos)
Criatividade também é palavra de ordem para a divulgadora científica Claudia Jurberg, coordenadora do Núcleo de Divulgação do Programa de Oncobiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A divulgação científica sobre o câncer é especialmente complicada, é preciso tomar ainda mais cuidado com toda informação, pois ela mexe com a expectativa de muitas pessoas”, avaliou.
A pesquisadora coordena atividades de pesquisa, assessoria de imprensa e desenvolvimento de produtos do grupo, que reúne mais de 300 membros, entre pesquisadores e profissionais de diversas áreas e instituições – entre elas, UFRJ, Instituto Nacional do Câncer (Inca) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Jurberg assinalou que o imaginário popular costuma relacionar câncer apenas a morte e sofrimento – algo que o grupo tenta mapear, com análises da mídia e das redes sociais, e reverter. Para isso, aposta em abordagens criativas, que destaquem aspectos como a prevenção. “Nossos produtos tentam aproximar o público do tema de maneira leve, mas informativa”, explicou. “A relação do trabalho com a arte abriu portas para chegar ao público jovem, que costuma ver o câncer como um problema muito distante dele.”
Assista ao vídeo ‘Jogo de uma morte anunciada’, produzido pelo núcleo
Entre as iniciativas do grupo estão vídeos de animação (‘O amor em tempos de HPV’, ‘Jogo de uma morte anunciada’, ‘Memórias de minhas pintas tristes’ e ‘Do álcool e outros demônios’, a ser lançado em 2014), além de jogos on-line, livros-jogos e até o museu virtual Acubens, criado este ano. “Todos os produtos são elaborados a partir de pesquisas junto aos públicos-alvo”, disse Jurberg, “Assim, podemos entender o que eles sabem e o que desconhecem sobre os temas e abordar as lacunas de forma interessante.”
Para as duas pesquisadoras, o sucesso das iniciativas está calcado na interação próxima tanto com o público quanto com a própria comunidade científica, parceira de longa data dos projetos. “A ideia dos produtos e da nossa atuação nas redes sociais é atrair o interesse do público e gerar um engajamento real”, destacou Jurberg. Chagas completou: “Trabalhar muito próximo da comunidade científica é fundamental para garantir a qualidade da informação passada às crianças e ajuda a desmitificar a própria ciência e o cientista, sempre com o objetivo de despertar o interesse pelo conhecimento e ajudar a formar cidadãos que entendam a importância dele em suas vidas.”
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line