Uma criança de 3,3 milhões de anos

 

Crânio de A. afarensis achado na Etiópia. Foram encontrados ainda ossos do tronco, dos membros inferiores e superiores, a omoplata e o osso hióide, a maior parte deles em bom estado de conservação (foto: Zeresenay Alemseged / ARCCH).

Fósseis de uma criança de três anos que viveu há cerca de 3,3 milhões de anos foram descobertos em Dikika, no noroeste da Etiópia. O esqueleto, encontrado quase completo, pertencia a uma fêmea da espécie Australopithecus afarensis e surpreende pelo bom estado de conservação. A ossada é 150 mil anos mais antiga que a de Lucy – um dos primeiros e mais completos espécimes de australopitecos já encontrados. A descoberta, publicada na Nature desta semana, foi feita por um grupo multidisciplinar de pesquisadores europeus e norte-americanos.

Apesar de pertencer a um hominídeo arcaico – mais parecido com macacos do que com espécies do gênero Homo –, o esqueleto será de extrema importância na investigação das características do crescimento e da infância dos ancestrais humanos. A partir da comparação entre esse esqueleto e os de adultos, os pesquisadores terão uma importante fonte de informações sobre o desenvolvimento dessa espécie.

“Essa descoberta vai contribuir substancialmente para que possamos entender a morfologia, o esboço do corpo, o comportamento, a forma de movimentação e os padrões de desenvolvimento do Australopithecus afarensis ”, disse em comunicado à imprensa o paleoantropólogo Zeresenay Alemseged, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, co-autor do artigo. É difícil encontrar ossos antigos com pouca idade cronológica, porque eles são muito frágeis e não sobrevivem facilmente às condições ambientais com o passar dos anos, mas a geologia do local favoreceu a conservação da ossada.

Para estimar a idade da criança, os pesquisadores definiram o grau de crescimento dos dentes e compararam com a idade de chimpanzés e humanos modernos com o mesmo estágio de desenvolvimento. Essa estimativa não é muito segura, pois os chimpanzés atuais provavelmente não crescem com a mesma velocidade de crescimento do A. afarensis , mas fornece uma boa aproximação.

No chão ou em árvores?
A análise do esqueleto traz evidências de que o A. afarensis podia se movimentar de forma bipedal, como os humanos atuais, e também saltar de galho em galho. Ainda não há consenso sobre se os indivíduos dessa espécie andavam no chão, trepavam em árvores ou se movimentavam das duas formas. Os ossos da perna (fêmur e tíbia) e dos pés da menina eram aptos a caminhar com o corpo na posição vertical. No entanto, os ossos dos ombros são parecidos com os de gorilas e permitiriam movimentos nas árvores.

A morfologia do crânio indica uma semelhança entre a taxa de crescimento cerebral da criança de Dikika e a dos humanos. Estima-se que o volume do cérebro da criança era 330 cm 3 , similar ao de um chimpanzé com a mesma idade. No entanto, esse tamanho corresponde a apenas 63% do cérebro adulto, enquanto os chimpanzés com essa idade já têm mais de 90% do cérebro formado. “Essa taxa lenta de crescimento observada nos A. afarensis é mais próxima à dos humanos, o que aponta para uma possível transição comportamental na evolução dessa espécie”, afirma Alemseged.

Segundo ele, uma das mais importantes descobertas foi o osso hióide, situado na parte anterior do pescoço. Não existem fósseis dessa parte do esqueleto de hominídeos, a não ser do homem de Neandertal. “Ele reflete como era a laringe, e pode trazer evidências sobre os sons que a espécie produzia. Por isso, tem um papel importante no debate sobre a origem da fala humana”, diz. 

Franciane Lovati
Ciência Hoje On-line
20/09/2006