No início do ano que vem, pode ser dado o primeiro passo no longo caminho rumo a um tratamento para grande parte dos pacientes com degeneração macular, que acomete cerca de 30% da população mundial com 65 anos ou mais e é a maior causa de cegueira não reversível nessa faixa etária. Uma colaboração entre a Universidade Federal Paulista (Unifesp) e o Instituto para Medicina Regenerativa da Califórnia (Cirm, na sigla em inglês) pretende começar um estudo clínico no Brasil e nos Estados Unidos para avaliar a segurança de um novo procedimento com células-tronco embrionárias para tratar a doença. Os pesquisadores ainda aguardam a aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
A degeneração macular leva a uma perda progressiva da acuidade fina na porção central do campo visual e interfere em atividades como leitura e reconhecimento de faces. Esse mal tem duas formas, seca e úmida, sendo que esta última é a única com algum tipo de tratamento paliativo. Mas apenas 10% dos acometidos com degeneração macular sofrem da forma úmida.
A doença é causada pela destruição das células fotorreceptoras (cones e bastonetes) localizadas na mácula, região próxima ao centro da retina e que é responsável por essa acuidade fina da visão. Isso ocorre porque as células do epitélio pigmentar da retina (EPR), que estão localizadas abaixo dos fotorreceptores, deixam de processar um rejeito metabólico chamado de drusa, e este se acumula entre o EPR e a camada inferior, chamada de coroide. Com o tempo, esse acúmulo vai comprometendo a mácula. Na forma úmida, vasos sanguíneos do coroide afloram pela retina e inundam a região.
A nova terapia consiste no implante cirúrgico sob a retina dos pacientes de um suporte feito com um polímero biocompatível, o parilene. Esse dispositivo tem 7,5 mm de comprimento e 3,5 mm de largura e possui duas partes. A primeira é uma trama de 6,3 micrômetros (µm) de espessura, que fornece suporte mecânico. Sobre ela, é posicionada uma camada ultrafina (com 0,3 µm de espessura), também de parilene, que cria uma zona de difusão de nutrientes para as células que revestirão sua superfície superior. Esse revestimento celular é feito com células de EPR derivadas de células-tronco embrionárias humanas.
Em testes em que o dispositivo foi implantado em porcos, os pesquisadores conseguiram estabelecer sobre o suporte 6.200 células/mm² – um nível de 5.000/mm² já é considerado normal. “As células de EPR na base de parilene retomam o processamento da drusa, impedindo seu acúmulo”, disse um dos coordenadores do estudo, o médico Rodrigo Brant, do Departamento de Oftalmologia da Unifesp, durante apresentação do trabalho na 28ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), realizada esta semana em Caxambu (Minas Gerais).
Brant explicou que as células de EPR usadas no dispositivo são derivadas de H9, uma linhagem de células-tronco embrionárias que se diferencia nas de EPR espontaneamente, sem necessidade de indução. “Um dos problemas de se usar células-tronco embrionárias é que os sistemas de indução podem levar essas células a gerarem tumores ou teratomas. Na H9, não há esse risco, mas ainda não se sabe por que ela se diferencia de maneira espontânea.”
Crescimento orientado
O pesquisador acrescentou que a escolha pelo suporte foi feita para se obter uma monocamada de células com orientação igual à das encontradas originalmente na retina. “O lado que fica voltado para os fotorreceptores possui vilosidades que fagocitam, isto é, capturam as drusas”, observou o médico. Segundo ele, a injeção das células sem o suporte resultaria em um aglomerado que acabaria sendo destruído por células do sistema imune.
“Um estudo de injeção sem suporte, publicado na revista científica The Lancet, foi alardeado como um grande feito. Mas depois se perceberam os problemas dessa técnica específica, o que levou ao abandono dessa pesquisa”, lembrou Brant.
O estudo clínico no Brasil contará com 15 pacientes: cinco com a forma seca da degeneração macular, cinco com a forma úmida e cinco com a doença de Stargardt, uma degeneração macular de origem genética que ocorre em jovens. “Como é um ensaio de fase I, nosso objetivo principal é determinar a segurança da cirurgia e a viabilidade das células, bem como se elas migram da área implantada ou causam tumores”, explicou o pesquisador.
Se o estudo for aprovado pelo Conep, Brant informou que a triagem de pacientes para participar do ensaio deve começar em alguns meses. “É importante ressaltar que não podemos começar o estudo sem essa aprovação e, portanto, ainda não estamos realizando o procedimento ou selecionando candidatos.”
Fred Furtado *
Ciência Hoje/ RJ
* O jornalista viajou a Caxambu a convite da Fesbe.