Se você tem boas ideias e gostaria de se eleger para algum cargo político, não se iluda. Há boas razões para acreditar que, na verdade, os fatores mais decisivos para vencer eleições não são suas propostas, mas quanto dinheiro você investe em sua campanha.
Perversão da democracia? Talvez. A propósito, foi exatamente esta a hipótese levantada pela cientista política Rosalina Ferreira Freitas, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), em trabalho apresentado no 36º Encontro Anual da Anpocs, em Águas de Lindoia (SP). Ela convida os participantes a refletir sobre a instigante questão: “será que a influência do poder econômico provoca uma distorção no regime democrático representativo?”
Enquanto isso, o advogado gaúcho Carlos Vinicios Cavalcante ocupa-se em cálculos não tão triviais. Como rastrear generosos financiamentos privados? Cavalcante estudou o pleito para o Senado de 2010. A partir de seu mestrado, defendido na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), trouxe aos participantes do encontro alguns números interessantes.
Me dá um dinheiro aí
Ao todo, os candidatos daquela eleição arrecadaram nada menos que R$ 348 milhões – 489% a mais do que o arrecadado na campanha eleitoral anterior, em 2002. O que surpreende, no entanto, não é exatamente a quantia, mas a ideia de que, para os candidatos eleitos, a média de arrecadação foi de R$ 4,1 milhão cada; enquanto a média dos candidatos não exitosos no pleito girou em torno dos R$ 750 mil.
Em outras palavras, temos aí indícios numéricos de uma forte associação entre verbas de campanha e sucesso eleitoral.
Deve-se mencionar que, segundo os cálculos de Cavalcante, 40% da receita das campanhas de 2010 veio de fontes privadas, isto é, de empresas, enquanto 11% foram de pessoas físicas e 49%, de comitês financeiros dos respectivos partidos.
Dentre os financiadores privados, destacaram-se os setores de construção civil, indústria, comércio, energia e instituições financeiras. “Analisando cronologicamente, as doações se concentram no terço final do pleito, quando as tendências já estão mais delineadas”, diz.
Para pensar: nas eleições de 2010, 76% dos recursos privados destinados a candidatos da coligação Dilma Rousseff-Michel Temer foram oriundos de empresas ligadas à construção civil. E mais: 72% do financiamento privado daquele ano foram destinados a quatro partidos (PT, PMDB, PSDB e DEM).
Ponto cego
O que ainda não está claro para os pesquisadores é a relação entre financiamento e pesquisas de intenção de voto. Será que os líderes das pesquisas atraem mais recursos? Ou será que, contrariamente, expressivos recursos levam a melhor desempenho na corrida pelo poder? Questão em aberto.
Esses financiamentos podem vir de três fontes: indivíduos, empresas ou do próprio partido. A página na internet do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é conhecida por sua transparência – lá é possível checar em detalhes quem doou quanto e para quem. “Mas há um ponto cego na legislação”, preocupa-se Cavalcante.
Ele se refere ao fato de que empresas podem, em vez de financiar diretamente as campanhas, lançar verbas aos comitês dos partidos de seu interesse. Ou seja, é uma forma de doação indireta, que não fica transparente nos dados disponibilizados pelo TSE. Na prática, essa triangulação funciona como um financiamento velado.
“Pelo modelo atual de prestação de contas, não sabemos como se dá esse repasse entre os diretórios dos partidos e os candidatos”, diz o advogado.
Aproveitando a carona do encontro anual da Anpocs, a CH On-line preparou a vídeo-entrevista abaixo, na qual pesquisadores refletem sobre os caminhos incertos – e por vezes inverificáveis – que operam nos bastidores de nossa democracia.
Henrique Kugler
Ciência Hoje/ RJ