Até a década de 1970, o fluxo migratório típico no Brasil era das áreas rurais para os grandes centros urbanos. Mas esse modelo sofreu alterações profundas, como mostra o geógrafo Fernando Gomes Braga na tese de doutorado que defendeu no Programa de Pós-graduação em Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Hoje a maior parte de nossos migrantes não só vem de áreas urbanas como também se dirige a elas”, sustenta o geógrafo, que é professor do Instituto Federal de Minas Gerais, em Ouro Preto. Segundo Braga, a migração rural-urbana arrefeceu no país e quase se iguala, em números, ao processo denominado ‘rurbanização’ (movimento de habitantes da cidade para o campo). Ele lembra que a migração definiu a redistribuição espacial da população brasileira. “Atualmente, quase 90% de nossa gente vive nos centros urbanos.”
A migração foi o principal veículo dessa mudança radical, ocorrida em espaço de tempo relativamente curto e motivada, segundo o geógrafo, pela consolidação econômica de uma sociedade urbana e industrial. “Como os migrantes vêm de centros urbanos, em geral estão mais qualificados para o trabalho e adaptados a novas situações.” Isso, segundo ele, decorre do aumento da seletividade no mercado de trabalho em áreas metropolitanas e tecnopolos.
Na nova realidade, outros eixos territoriais se consolidam como áreas urbanizadas no país, com elevada atratividade populacional. Após examinar as trocas populacionais ocorridas nas 558 microrregiões brasileiras nos períodos 1975-1980, 1986-1991 e 1995-2000, o geógrafo identificou, entre outros, os eixos rodoviários Brasília-Belém (centro-norte) e Brasília-Porto Velho (centro-noroeste), e o que liga cidades do litoral nordestino.
Mas esses novos padrões migratórios, ressalva Braga, ainda convivem com o padrão antigo: fluxo Nordeste-Sudeste e desconcentração das capitais das regiões Sudeste e Sul. “Isso comprova o processo de ‘metropolização’ do país”, resume.
Além de fazer uma análise da migração interna brasileira, com base em dados dos censos de 1980, 1991 e 2000, a tese de Braga identifica outro padrão de migrações no Brasil, específico das regiões de fronteira, e apresenta, de forma inédita, metodologia para reconhecimento das sobreposições entre migração interna e externa.
Na fronteira
Como o trabalho de Braga pretendia discutir os novos padrões de migração no Brasil, era preciso focalizar não só os movimentos internos, mas também os que se dão nas áreas de fronteira. Assim como há uma dinâmica de mobilidade no interior do país, na fronteira com os vizinhos do Cone Sul também há intensa circulação populacional.
Embora historicamente consolidadas, as relações migratórias com esses países mostraram significativo aumento nas últimas décadas, fortalecendo ainda mais as comunidades instituídas a partir de interações e trocas.
Com o objetivo de inserir seu trabalho no âmbito dos estudos culturais, o geógrafo fez distinção entre fronteira e limite. ‘Limite’ seria uma linha traçada na cartografia, usada para separar os domínios de cada nação. Já ‘fronteira’ seria o espaço da integração, do contato entre culturas.
“Isso foi necessário para identificar microrregiões nas quais a migração transfronteiriça predominasse sobre outros tipos de mobilidade populacional, como migração interna ou para países não fronteiriços”, explica. Na fronteira com o Paraguai, por exemplo, constatou-se atividade migratória envolvendo 29 microrregiões, como as de Foz do Iguaçu, no Paraná, Chapecó, em Santa Catarina, e Dourados e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
No campo da migração externa, Braga constatou ainda, no período estudado, aumento do número de brasileiros que deixaram o país para procurar alternativas de trabalho principalmente nos Estados Unidos, no Japão e em alguns países da Europa Ocidental. “Essa nova dinâmica migratória levou o saldo migratório internacional brasileiro a ter sinal negativo pela primeira vez na história do país.”
Sobreposições
Segundo Braga, a bibliografia indica que os migrantes internacionais também se movem no interior do Brasil. Em sua pesquisa, ele revelou um padrão de deslocamento interno que envolve microrregiões com elevada concentração de migrantes paraguaios.
Esse padrão, segundo o geógrafo, difere da migração total que ocorre no Brasil, sinalizando que a população que circula entre os países de nossa fronteira também cria redes de trocas internas, no interior da fronteira ou na articulação com outros centros de influência regional e nacional.
Braga identificou então um subsistema migratório interno articulado com a migração internacional, mostrando que os dois fenômenos não são separados, ao menos no caso dos movimentos na fronteira brasileira.
Intitulado ‘Conexões territoriais e redes migratórias: uma análise dos novos padrões de migração interna e internacional no Brasil’, o trabalho de Fernando Braga – orientado por Dimitri Fazito, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG) – venceu o Prêmio Capes de Teses de 2012 na área de planejamento urbano e regional/demografia.
Roberto B. de Carvalho
CH On-line/ PR