Vai um cafezinho, mamãe?

O conselho bastante comum dado a mulheres grávidas e lactantes de reduzir o consumo de café para não provocar insônia no bebê pode não passar de superstição.

Pesquisa com 885 crianças feita na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Rio Grande do Sul, mostrou que a qualidade do sono delas não foi afetada pela quantidade de cafeína ingerida pelas mães durante a gestação e nos três primeiros meses de amamentação.

O estudo, cujo resultado foi publicado recentemente na revista Pediatrics, se restringiu a bebês nascidos no ano de 2004 no município de Pelotas, esclarece a médica Iná da Silva dos Santos, uma das autoras do artigo.

A pesquisa permite questionar a ideia da agitação dos bebês provocada pelo café, que não é baseada em evidência científica

Por isso, ela ressalta que os resultados ainda não podem ser considerados definitivos. Ainda assim, a pesquisa permite questionar a ideia da agitação dos bebês provocada pelo café, que não é baseada em evidência científica, embora instituições médicas de vários países orientem gestantes e lactantes a não consumir mais que 300 mg de cafeína por dia.

Os pesquisadores entrevistaram as mães de todos os 4.231 bebês que nasceram em 2004 nos hospitais de Pelotas. Nas entrevistas, buscaram obter detalhes sobre seus hábitos de consumo de bebidas que contêm cafeína (como café e chimarrão), em cada um dos três trimestres de gestação.

Se respondiam que bebiam café, por exemplo, perguntava-se se o que consumiam era coado ou instantâneo, se consideravam forte ou fraco. “Com base nas respostas pudemos calcular quantos miligramas de cafeína eram ingeridos diariamente”, explica a médica, que integra o Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel.

Entre as participantes do levantamento, havia desde mulheres que não consumiam cafeína ou a consumiam em pequena quantidade, até as que ingeriam mais de 300 mg da substância por dia, o equivalente ao contido em aproximadamente meio litro de café.

Sono normal

Três meses depois dos nascimentos, os pesquisadores conseguiram entrar em contato novamente com 885 mulheres para saber sobre o comportamento de seus filhos.

Com o objetivo de apurar a qualidade do sono dos bebês, procuraram saber das mães o número de vezes em que seus filhos acordaram durante a noite nos 15 dias anteriores à entrevista.

Em média, as crianças dormiam 9,4 horas por noite e quatro horas durante o dia. Mais de 75,5% haviam acordado ao menos uma vez durante a noite, o que é considerado normal. Do total de mulheres entrevistadas, 13,8% relataram episódios frequentes de vigília noturna – quando os bebês acordavam mais de três vezes por noite.

Amamentação
Ingestão de cafeína durante os três primeiros meses da amamentação também não teve consequências no sono do grupo de bebês investigado. (foto: Carin Araujo/ Sxc.hu)

Considerando apenas o grupo de mães que tanto na gestação quanto na amamentação consumiam mais cafeína (acima de 300 mg por dia), a taxa de episódios frequentes de vigília noturna foi de 22,5%. Esse grupo era composto por 40 mulheres.

Grosso modo, isso poderia indicar a influência da cafeína no sono dos bebês. No entanto, explica Santos, quando se ajusta esse resultado a outras variáveis que também podem ter consequência sobre o sono, a diferença se torna estatisticamente insignificante.

Em relação a choro ou cólica, não foi observada diferença entre os filhos das mulheres que consumiam cafeína em grande ou pequena quantidade

Foram consideradas desde características biológicas e comportamentais até condição socioeconômica das mães, que poderiam interferir, por exemplo, no ambiente em que as crianças dormiam. “Levamos em conta dados da mãe como idade, cor da pele, escolaridade, renda familiar, número de partos anteriores e consumo de álcool, além do sexo do bebê”, diz a médica.

Em relação a episódios de choro ou cólica, não foi observada qualquer diferença entre os filhos das mulheres que consumiam cafeína em grande ou em pequena quantidade.

Antes desse trabalho, o grupo da UFPel já havia investigado a possibilidade de a cafeína prejudicar o desenvolvimento do feto e induzir nascimentos prematuros, como algumas pesquisas internacionais apontam. “Também não encontramos essas associações”, diz Santos.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR