Vantagem lingüística

A produtividade científica dos pesquisadores pode ser influenciada por sua habilidade de escrever em inglês. Estudo realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e publicado na revista EMBO Reports, do grupo Nature, mostra que os cientistas brasileiros que escrevem bem em inglês publicam mais artigos científicos e são mais citados em outros trabalhos do que aqueles que não dominam a escrita desse idioma. Essa questão lingüística pode, assim, ser uma barreira à divulgação do conhecimento produzido em países em que o inglês não é a língua oficial.

Segundo uma das autoras do artigo, a pesquisadora Sonia Vasconcelos, do Programa de Educação, Gestão e Difusão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, a ciência que tem maior visibilidade no mundo é a que está em língua inglesa. “Os cientistas que não têm o inglês como idioma nativo ficam em desvantagem no cenário de publicações, já que esta é a língua franca da ciência”, diz à CH On-line Vasconcelos, que é também professora de língua inglesa.

Para avaliar a relação entre a competência escrita em língua inglesa dos cientistas brasileiros e sua produtividade científica, a equipe coletou inicialmente informações dos 52.223 pesquisadores com doutorado cadastrados na Plataforma Lattes em 2005. Esse sistema, organizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), disponibiliza dados sobre as publicações dos cientistas em periódicos nacionais e internacionais e sobre sua proficiência em línguas estrangeiras com base em uma auto-avaliação de quatro habilidades lingüísticas (leitura, escrita, expressão oral e compreensão oral).

O grupo concentrou sua avaliação na habilidade escrita, já que ela tem papel crucial para a publicação dos trabalhos científicos em inglês. A análise dos dados mostrou que, nessa competência, 44,4% dos pesquisadores brasileiros se consideram bons, 35,2%, razoáveis e 13%, ruins.

Os pesquisadores então cruzaram os dados da Plataforma Lattes com informações sobre publicações de autores brasileiros contidas até 2005 na base de dados mais consultada sobre a produção científica mundial – a ISI Web of Knowledge. Ela inclui, além dos nomes dos autores e endereço, o tipo de publicação, a referência completa do artigo e o número de citações por autor por ano.

Visibilidade brasileira no exterior
A comparação mostrou que apenas 22.900 (44,7%) pesquisadores brasileiros com doutorado cadastrados em 2005 na Plataforma Lattes publicaram em periódicos indexados no ISI Web of Knowledge. Entre esses autores, 51,4% classificam sua habilidade escrita em inglês como boa, 34% a consideram razoável e 9,5% admitem ser ruins nessa competência.

Por fim, foram avaliados os indicadores de produção científica desses pesquisadores, com base no número de publicações em periódicos indexados, no número de citações e no chamado índice h, que combina o número de publicações com o de citações. “Os autores brasileiros com maior habilidade escrita em inglês são os que mais se destacam em cada um desses indicadores”, conta Vasconcelos, que desenvolveu o estudo como parte de seu doutorado.

Segundo a pesquisadora, esses resultados apontam uma possível barreira lingüística, que se estende a todos os pesquisadores latino-americanos. “Há um cenário crítico na América Latina, pois o inglês não é sequer a terceira língua oficial na maioria desses países”, ressalta.

Além do fato de o Brasil não ter o inglês como língua oficial, Vasconcelos atribui os resultados do estudo ao foco das aulas de língua inglesa para alunos do Ensino Médio e da graduação. “Tradicionalmente o ensino desse idioma no país está voltado para o desenvolvimento das habilidades de leitura e compreensão”, diz ela. “Na pós-graduação em áreas científicas, são raras as disciplinas que tratam da escrita científica em inglês.”

Para reverter esse quadro, a pesquisadora destaca a necessidade de políticas governamentais que visem à preparação dos pós-graduandos para melhorar suas habilidades de escrita em inglês, além de apoio para a edição de artigos científicos nas instituições de pesquisa.

Vasconcelos cita os exemplos da China, do Japão e até de países de língua inglesa, como Estados Unidos e Inglaterra, que dispõem de escritórios que prestam serviços de edição de linguagem de artigos. “O efeito dessas iniciativas é de longo prazo, mas elas podem contribuir para aumentar a visibilidade internacional da ciência brasileira”, completa. 

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
21/08/2008