Vida aquática X resíduos industriais

Em tempos de conscientização ecológica, despejar resíduos industriais diretamente na natureza é quase um pedido de reprovação pública. Mas, ainda que o processo seja interrompido, grande parte dos compostos já lançados sem tratamento pode permanecer no meio ambiente por meses, anos ou até décadas.

Muitos organismos sofrem com substâncias tóxicas e são um risco para as pessoas que se alimentam deles

No caso de ambientes marinhos, é possível que se alastrem por quilômetros. Muitos organismos sofrem com a ação das substâncias tóxicas e são um risco potencial para as pessoas que se alimentam deles.

Diante do problema, pesquisadores de todo o mundo investigam os males causados por resíduos industriais em ambientes aquáticos. No Brasil, onde poucos grupos se dedicam ao tema, destaca-se o Laboratório de Toxicologia Celular da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

“Há 10 anos trabalhamos com metodologias que avaliam o efeito de poluentes em células e tecidos vivos de peixes e outros vertebrados”, conta o biólogo Ciro Oliveira Ribeiro, do Departamento de Biologia Celular da UFPR.

“O dano varia conforme o poluente, o tipo de célula e o tempo de exposição”, explica o biólogo. As células acometidas podem apresentar falhas no metabolismo, alterações no DNA e, em casos extremos, morrer.

Em 2007, o grupo começou a avaliar os efeitos de metais tóxicos e biotoxinas em células de peixes. Nos animais aquáticos, a exposição a resíduos industriais pode ser especialmente grave, já que eles ficam em contato direto com as substâncias tóxicas lançadas na natureza.

As células acometidas podem apresentar falhas no metabolismo, alterações no DNA e, em casos extremos, morrer

Por meio do chamado biomonitoramento, os testes são realizados tanto em laboratório quanto no meio ambiente, em animais coletados ou em células e tecidos cultivados para a pesquisa.

Em um dos experimentos, o peixe (Hoplias malabaricus, a traíra) recebeu alimento contaminado pelo metal cádmio. “Uma semana depois, a substância se mantinha depositada em seu aparelho digestivo”, relata Ribeiro.

Segundo o biólogo, o processo de absorção varia de acordo com o tipo de poluente. Os riscos causados por alguns deles podem ser graves para o animal e para as pessoas que venham a consumi-lo. Em seres humanos, os sintomas variam de disfunção do sistema reprodutivo e imunodepressão até mau funcionamento dos rins.

Peixe contaminado por cádmio
Autorradiograma do peixe ‘Hypostomus platessoides’ exposto ao cádmio-109 através do alimento. No detalhe, vê-se o aparelho digestivo do animal com acúmulo de cádmio, sete dias após a exposição ao metal. Esse e outros metais tóxicos são dificilmente absorvidos por organismos vivos (imagem: Claude Rouleau).

Métodos de análise

O trabalho da equipe de Ribeiro faz parte de um projeto internacional [PDF] que emprega radiotraçadores e tecnologias de radioensaios para analisar riscos de contaminação de animais aquáticos.

O projeto, criado por Ross Jeffree, do Laboratório de Meio Ambiente Marinho, sediado em Mônaco, e Claude Rouleau, do Instituto Maurice Lamontagne, de Québec, no Canadá, conta com a colaboração de grupos de pesquisa de vários países, que realizam experimentos de modo autônomo e complementar. O laboratório da UFPR é o único que avalia danos celulares. A iniciativa teve o aval da Agência Internacional de Energia Atômica e entrou em andamento em 2007.

Traíra
Traíra (‘Hoplias malabaricus’). Esse peixe de água doce da família dos cracídeos é usado nos experimentos do Laboratório de Toxicologia Celular da UFPR para estudar a absorção de substâncias tóxicas (metais tóxicos e biotoxinas) por animais que vivem em ambiente aquático (foto: Cláudio Dias Timm – CC BY-NC-SA 2.0)

Uma dificuldade enfrentada pelos cientistas brasileiros no início da pesquisa foi padronizar o cultivo das células (hepatócitos de peixes) que seriam usadas no estudo. Uma vez estabelecida a metodologia, os trabalhos se voltam agora para a exposição dessas células aos poluentes mercúrio, cádmio, cobre, chumbo, benzopireno, tributilestanho, diclorodifeniltricloroetano (DDT) e cianotoxinas.

Os trabalhos se voltam agora para a exposição das células a mercúrio, cobre, chumbo e outros poluentes

A próxima etapa do projeto desenvolvido pela equipe brasileira, a partir de 2011, envolverá o uso de metais radioativos para facilitar a localização dos poluentes no organismo de peixes.

Isso será realizado em parceria com o Laboratório de Radioisótopos Eduardo Penna Franca, da Universidade Federal do Rio Janeiro, e com o Instituto Maurice Lamontagne, que irá analisar os animais após a intervenção dos pesquisadores brasileiros.

Enquanto os estudos continuam em andamento, resta apostar no bom senso dos empresários e na denúncia dos abusos.

Guilherme de Souza
Especial para a CH On-line / PR