Visão além do alcance

Cerro Armazones; por enquanto, apenas um entre tantos montes do árido deserto do Atacama, no Chile, resumido a uma esburacada estrada de terra e alguns aparelhos meteorológicos. Mas, em 2020, o local vai abrigar o maior telescópio ótico do mundo, o Extremely Large Telescope (ELT).

O ambicioso projeto do Observatório Europeu do Sul (ESO), organização astronômica formada por 14 países – e, quem sabe, em breve, pelo Brasil – inclui um espelho de 40 metros de diâmetro, maior que o de qualquer outro telescópio em operação ou mesmo em planejamento, como o TMT (sigla de Thirty Meter Telescope), que será instalado no Havaí, com recursos de Estados Unidos, Canadá, China e Índia.

O espelho é a parte do telescópio que capta a luz do céu e a reflete em forma de imagem. Quanto maior for essa peça, maior a sensibilidade do equipamento, ou seja, melhor ele visualiza os objetos no céu, mesmo os menos brilhantes e os mais distantes.

No caso do ELT, ele será composto por cerca de 800 outros espelhos menores em forma de hexágono. Juntos, formarão uma só peça capaz de coletar 15 vezes mais luz que o telescópio Hubble, que tem a vantagem de estar no espaço.

Funcionamento ELT
O supertelescópio terá um espelho de 40 metros de diâmetro, que vai coletar luz dos objetos mais apagados e distantes do universo. Confira como será o seu funcionamento (clique para ampliar). (imagem: ESO)

Além da tecnologia de ponta, o telescópio conta com as condições favoráveis de Cerro Armazones: um ambiente alto e próximo do céu, há 3 mil metros de altitude; seco, onde quase não há umidade ou nuvens que poderiam interferir na visibilidade; e sem poluição luminosa – a cidade mais próxima, Antofagasta, fica a 130 km de distância.

Segundo o astrônomo do ESO Willem de Wit, na situação hipotética de haver um carro com os dois faróis dianteiros ligados na Lua, os telescópios atuais captariam a imagem de uma só luz difusa, enquanto que, com o ELT, seria possível ver os dois faróis separados e ainda a marca do carro.

Rompendo limites

A expectativa é que, com tamanha sensibilidade e a localização vantajosa, o ELT consiga ver as regiões mais distantes do universo. O supertelescópio deverá captar a luz das primeiras galáxias, ajudando a contar a história da formação de tudo o que conhecemos.

“Essa é a beleza da astronomia, quanto mais distante olhamos, mais nos aproximamos do passado, por causa do tempo que a luz demora para chegar aos nossos olhos”, comenta o diretor científico do ESO no Chile, Michael West.

Além das galáxias, espera-se que o ELT seja uma poderosa ferramenta na busca por exoplanetas, aqueles que estão fora do nosso sistema solar. Hoje a detecção desses astros se dá apenas de forma indireta, por exemplo, pela observação de sua sombra quando iluminado por uma estrela. Já o novo equipamento promete captar imagens diretas dos planetas extrassolares e prover os pesquisadores de fotografias mais nítidas de nossos vizinhos mais distantes.

O ELT também deverá desempenhar papel importante na validação da teoria do universo em expansão acelerada, tema que ganhou o Nobel de Física de 2011. Essa ideia foi verificada pela medição do espectro da luz de galáxias que parecem se afastar da Terra.

Pela comparação de imagens diretas registradas pelo ELT de várias galáxias, será possível, de acordo com pesquisadores, ‘ver’ essa expansão. “O ELT será o primeiro instrumento capaz de medir a aceleração do universo em tempo real”, afirma o astrônomo Andreas Kaufer, diretor do principal observatório do ESO, o Paranal. “Poderemos observar com nossos olhos as galáxias se movendo. Imagine o quão sensacional vai ser!” 

“Como em toda vez que se cruza uma fronteira, o mais interessante é o que ainda não conhecemos, o que não podemos prever”

Apesar das inúmeras possibilidades de estudo, os astrônomos envolvidos no projeto fazem questão de ressaltar que o mais importante são as descobertas inimagináveis que estão por vir. “Estamos avançando em um novo território com o ELT”, diz Kaufer. “E como em toda vez que se cruza uma fronteira, o mais interessante é o que ainda não conhecemos, o que não podemos prever.”

Orçado em um bilhão de dólares, o ELT vai começar a ser construído este ano. No entanto, ainda restam incertezas sobre a consolidação do projeto devido à crise financeira mundial e ao atraso do Brasil na ratificação do acordo de adesão ao ESO feito em 2010. A organização conta com os recursos brasileiros para a construção do supertelescópio.


Sofia Moutinho*
Ciência Hoje On-line

* A jornalista viajou ao Chile a convite do ESO.