Vou de táxi

 

O táxi pode ser encarado como um espaço em que se manifestam as relações rápidas e superficiais características do mundo contemporâneo. Para compreender o universo dos taxistas, o antropólogo Eduardo Campos da Rocha decidiu adotar uma estratégia inusitada. Após algumas tentativas frustradas de conceber uma pesquisa através de entrevistas acadêmicas, ele percebeu que o melhor caminho era se inserir na profissão. Três anos e meio de trabalho em um táxi lhe renderam sua monografia de fim de curso na Faculdade de Antropologia da Universidade de Brasília, estudo que ganhou o prêmio Claude Lévi-Strauss, da Associação Brasileira de Antropologia.

“O motorista de táxi não quer contar a vida dele para alguém que não pertença ao mesmo grupo”, revela Campos. Poucas semanas de tentativa foram suficientes para que o pesquisador chegasse a essa conclusão. Foi nesse momento que surgiu a oportunidade, mediante patrocínio à pesquisa, de comprar um táxi e iniciar um trabalho de campo que começou em 2002 e só terminou em 2005.

Os percalços por que passa qualquer novato na profissão e algumas desconfianças dos colegas acerca do trabalho que estava realizando não foram, para Campos, as verdadeiras dificuldades durante o período como taxista. “Complicado é dar uma leitura acadêmica para algo que temos como familiar. Precisei colocar em questão a dinâmica dos encontros dentro do táxi”, revela. Encontros esses que, segundo ele, são marcados essencialmente pelo paradoxo entre a grande proximidade física e a pouca proximidade emocional entre passageiro e motorista.

“De maneira geral, os clientes, após entrarem em um táxi e informarem o destino, abstraem-se da presença do taxista e desconsideram sua capacidade analítica ao discutir assuntos por vezes sigilosos ou mesmo particulares”, explica Campos. Segundo ele, no meio dos taxistas conversa-se sobre tudo, menos sobre o que foi dito pelo passageiro. “É uma espécie de código de honra, uma conduta exemplar do ponto de vista profissional”, conta. E deixa escapar a transformação a que ele próprio foi submetido: “Da mesma forma, já tentaram arrancar de mim várias histórias. Mas eu também não conto.”

Campos destaca em seu trabalho outras facetas da vida de um taxista, como as diferenças entre os que são donos do carro e aqueles que “pedram”, ou seja, alugam táxis de outros e, para isso, precisam trabalhar por dias e noites seguidos quando o dinheiro ganho não é suficiente para pagar pelo carro. “Hoje eu fico incomodado ao ver um taxista dormir no carro. Esse trabalho de campo me deu vivência e uma visão mais ampla sobre um universo que não é o meu.”

Juliana Tinoco
Ciência Hoje On-line
13/11/2006