A história do cerrado

O fogo teve papel importante na formação da flora do cerrado brasileiro. Essa é a conclusão de um estudo publicado esta semana na PNAS por uma equipe internacional de pesquisadores, que conta com a participação de brasileiros da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A pesquisa indica que os incêndios naturais são um dos motivos que fizeram do cerrado a savana tropical com maior biodiversidade do mundo.

A origem do cerrado coincidiu com a maior vulnerabilidade da região a incêndios naturais

A hipótese levantada pelos autores do trabalho é que a origem desse bioma coincidiu com o avanço de gramíneas sobre a região, causado por mudanças climáticas ocorridas dez milhões de anos atrás e responsáveis também pela expansão da savana em outros lugares do mundo. Por serem muito inflamáveis, as gramíneas deixaram o local do futuro cerrado vulnerável a incêndios.

Devido às novas condições climáticas, as plantas mais adaptadas a ambientes secos e mais resistentes ao fogo tiveram mais chances de sobreviver na região. Aparentemente, esse ajuste não foi difícil, já que o surgimento do cerrado foi relativamente rápido se comparado ao de outros biomas. Segundo o estudo, a diversificação da maior parte da flora do cerrado iniciou-se há aproximadamente quatro milhões de anos.

A formação do cerrado também teve contribuições dos biomas situados em seu entorno – a floresta amazônica, a caatinga, os pampas e a mata atlântica –, que compartilham com ele diversos gêneros. Mas o processo de migração da flora típica dessas vegetações ainda não está totalmente esclarecido.

Endemismo na região
Segundo um dos autores do artigo, o biólogo Marcelo Simon, da Embrapa, o estudo constatou que o cerrado tem poucos gêneros de plantas endêmicos. Entretanto, há espécies que se originaram exclusivamente no bioma. Só no gênero Mimosa, um dos quatro estudados pelo grupo, por exemplo, ao menos onze novas linhagens tiveram origem no cerrado.

Cerrado
Acima, espécies do gênero ‘Mimosa’, nativo das Américas Central e do Sul. O DNA de algumas linhagens desse grupo foi usado na análise filogenética que permitiu aos pesquisadores traçar a história evolutiva do cerrado.

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores analisaram o DNA de quatro grupos de plantas: Mimosa, Microlicieae, Lupinus e Andira. Foi usado o método da filogenia genética, que permite traçar retroativamente prováveis relações de parentesco. O objetivo do grupo era investigar a evolução das adaptações das plantas do cerrado ao fogo e obter uma visão histórica da reunião das espécies no bioma.

Por meio de análises genéticas, foi possível investigar a evolução das adaptações das plantas do cerrado ao fogo

Mas os resultados devem ser vistos com certa reserva. Segundo Simon, a amostragem de DNA usada pelo grupo representa apenas 3 a 4% da flora do cerrado. Ele admite que o número ainda é baixo. “Esse é um esforço inicial”, ressalta em entrevista à CH On-line. “Mas há evidências baseadas em estudos feitos com outras plantas, como as do gênero Manihot (mandioca), que dão suporte às nossas conclusões”, defende. E completa: “Acreditamos que nossos resultados também podem ser representativos de histórias evolutivas de outras espécies.”

As características adaptadas ao fogo presentes nas plantas dos grupos estudados – como casca espessa e raízes profundas e grossas – levaram os cientistas a concluir que os incêndios naturais ocorridos no cerrado são talvez os ingredientes decisivos que culminaram com a riqueza de espécies do bioma. Essa conclusão se junta a outras evidências científicas que apontam a importância de fenômenos específicos em uma dada região para a formação de biomas com grande biodiversidade.

 

Raquel Oliveira
Ciência Hoje On-line