A ciência pura de Henrique Morize

“Falleceu hontem o fundador dos estudos de physica experimental no Brasil” , noticiava o Jornal do Commercio de 20 de março de 1930. O personagem era o francês Henri Charles Morize, mais conhecido como Henrique Morize, radicado no país desde os 14 anos.

A definição talvez seja injusta com seus predecessores, mas o papel crucial de Morize para a consolidação da ciência no Brasil é inegável, como confirma o livro Henrique Morize e o ideal de ciência pura na República Velha . A biografia foi elaborada por Antônio Augusto Passos Videira, professor de Epistemologia e História da Ciência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O livro reconstrói os passos do cientista em busca de seu ideal: assegurar a existência da ciência ‘pura’ no Brasil, ou seja, da pesquisa ‘desinteressada’, que não procura atender, de imediato, nenhum objetivo prático. A idéia ia contra os interesses das elites da época que, após a proclamação da República, visavam o enriquecimento rápido e fácil, que poderia ser alcançado mais prontamente pela ciência ‘aplicada’.

Nascido em 1860, Morize foi professor catedrático de física experimental na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, onde se formou, e assumiu a direção do Observatório Astronômico Nacional em 1908. Após tais experiências, concluiu que a única maneira de mudar o ambiente científico do país e garantir que os investimentos em pesquisas não fossem subjugados a interesses políticos e econômicos seria a união de todos os cientistas. Essa foi uma das razões que o levaram a participar, em 1916, da fundação da Sociedade Brasileira de Ciências (atual Academia Brasileira de Ciências), da qual tornou-se o primeiro presidente.

Talvez por ser estrangeiro, Morize não atribuía à história política, social e cultural do Brasil a culpa pela situação do país na época. Acreditava que “o desenvolvimento científico de um país dependia, em primeiro lugar, da vontade política de governantes decididos a apoiar pessoas e instituições interessadas”. Defendia uma autonomia da ciência em relação às outras questões do país.

Além de esclarecer a posição de Morize diante da necessidade de transformação do ambiente científico e universitário do Brasil da época, o livro passa rapidamente pela contribuição do cientista aos primórdios da divulgação científica nacional. Lembra, ainda, que sua morte ocorreu apenas poucos meses antes da Revolução de Outubro, a partir da qual Getúlio Vargas assumiu o governo do país e permaneceu no poder por 15 anos, tempo suficiente para promover várias das reformas almejadas pela geração de Morize.

Com linguagem acessível, algumas ilustrações e muitas citações não só do próprio Morize, mas também de outros cientistas que conviveram com ele e partilharam seus ideais, o autor faz um apanhado dos aspectos fundamentais da situação da ciência brasileira na época da República Velha e ressalta as sementes plantadas por Morize para a sua transformação.

 

Henrique Morize e o ideal de
ciência pura na República Velha

Antônio Augusto Passos Videira
Rio de Janeiro, 2003, FGV Editora
Telefone: 0800 217777
120 páginas – R$ 16

Catarina Chagas
Ciência Hoje On-line
07/05/04