A competição sexual em escala molecular

 

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Em espécies como o chimpanzé, em que as fêmeas têm comportamento promíscuo, o sêmen do 1o parceiro se transforma num ’tampão’ que impede a fertilização por outro macho

A competição sexual entre machos conta também com artimanhas genéticas. Essa foi a conclusão de um grupo de pesquisadores da Universidade de Chicago que observou a relação entre a viscosidade do sêmen de algumas espécies de primatas e a promiscuidade das fêmeas. Eles estudaram uma proteína do fluido seminal – a semenogelina, que controla a consistência do líquido logo após a ejaculação – e perceberam que ela se torna mais ativa devido a uma alteração genética identificada nas espécies de primatas em que as fêmeas têm um maior número de parceiros. Os resultados foram publicados em dezembro na revista Nature Genetics

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Entre os primatas mais “comportados”, essa proteína confere ao sêmen uma consistência líquida e indiferente. Nas espécies em que as fêmeas copulam com mais de um parceiro por período fértil, porém, a proteína altera de tal forma a viscosidade do esperma que ele se transforma, nos casos mais extremos, num tampão na vagina do animal. O objetivo é criar uma barreira – como um ’cinto de castidade molecular’ – que impeça a fertilização da fêmea por um outro indivíduo e garanta a prevalência do primeiro parceiro.

 

Os cientistas estudaram as espécies primatas que apresentam os principais sistemas de relacionamento e acasalamento, seqüenciaram o gene da proteína em questão (o SEMG2) e observaram como ele se comporta em cada uma delas. O resultado foi a descoberta de que a alteração genética dessa proteína é mais uma estratégia utilizada pelos machos para aumentar a competitividade do sêmen e, como as demais – testículos maiores e maior número de espermatozóides, por exemplo –, ocorre mais intensamente quando a promiscuidade da espécie é maior.

 

A competição sexual entre machos da mesma espécie é natural e acontece porque todos os indivíduos querem garantir a propagação de seus genes. O estudo mostrou que a preocupação é tão grande que de um jeito ou de outro – pela disputa física ou genética – um macho tenta impor seu esperma sobre os demais.

 

O recurso à coagulação do esperma para impedir a fertilização da fêmea por outro macho já era conhecido pelos cientistas. “A grande novidade do estudo recém-divulgado é a identificação do gene responsável por esse fenômeno”, aponta o zoólogo Robert Young, pesquisador especialista no comportamento sexual de primatas da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).

 

“Alguns primatas, como os gorilas, garantem a exclusividade da fêmea pela força física: partem para a briga e não permitem que outro indivíduo se aproxime dela”, conta Young. “Outros, como o brasileiro muriqui, são mais pacíficos e adotam a produção de espermatozóides mais competitivos como estratégia para garantir a reprodução dos genes.”

 

Para o estudo, foram selecionadas espécies em que as fêmeas copulam com apenas um macho por período fértil, como os gorilas; outras em que não há um número limite de parceiros por período, como acontece entre os chimpanzés, em que uma fêmea copula em média com oito parceiros por período fértil; e aquelas em que a fêmea copula somente com o macho dominante dentro de sua comunidade, mas pode relacionar-se, eventualmente, com outros parceiros – é o caso dos orangotangos.

 

Para o pesquisador Bruce Lahn, que liderou a equipe do Instituto Médico Howard Hughes da Universidade de Chicago, a descoberta é importante porque mostrou pela primeira vez que a corrida da evolução não se limita à disputa fisiológica. Como as características físicas, os genes também precisam se adaptar rapidamente para garantir maior vantagem sobre os competidores.

Isabel Levy
Ciência Hoje On-line
09/12/04