A genética dos supercentenários

Vida e alimentação saudável certamente ajudam, mas a crença de que há um forte componente genético por trás da longevidade levou cientistas a buscar o que há de comum entre os genomas de pessoas centenárias. Conduzido por pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston e do Centro Médico de Boston, o estudo, publicado hoje na revista Science, chegou a diversas conclusões sobre as características dessa predisposição genética.

A primeira é que não há apenas uma resposta: como já era esperado, não há um ou dois genes associados à longevidade, e sim um conjunto de variações para que ela se faça presente. O estudo comparou dados genéticos de uma população de 801 centenários e supercentenários (aqueles que passam dos 110 anos) com os de 1.267 pessoas mais jovens com históricos similares.

As variações foram identificadas a partir da análise de 300 mil polimorfismos de um único nucleotídeo (SNP, na sigla em inglês), ou seja, sequências de DNA com a variação de uma única letra (A, T, C, G). A comparação dos dados entre os dois grupos apontou para 150 SNPs que apareciam quase que exclusivamente nos centenários, distribuídos por cerca de 70 genes.

Modelo genético para calcular a predisposição à longevidade teve previsão correta para 77% dos centenários

A partir dessas 150 variações, foi desenvolvido um modelo genético capaz de calcular a predisposição à longevidade, como explica Paola Sebastiani, professora de bioestatística da Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston e uma das autoras do estudo. “Testamos esse modelo em um grupo de centenários e a previsão foi correta para 77% deles”, diz ela, ressaltando que o índice de acertos é alto para um modelo genético.

Os 23% restantes (ou seja, pessoas que, apesar de centenárias, não tiveram essa predisposição prevista pelo modelo) podem estar relacionados tanto a fatores genéticos ainda desconhecidos quanto àquilo que todo mundo sabe intuitivamente: fatores como o ambiente e o estilo de vida também podem ser determinantes para uma longa ou curta vida.

Modelos em envelhecer bem

Nascidos entre 1890 e 1910, os idosos estudados são parte do Estudo de Centenários da Nova Inglaterra, do Centro Médico de Boston (EUA), o maior estudo mundial sobre centenários e suas famílias, realizado desde 1995. Seu diretor e fundador, Tom Perls, também autor do trabalho, diz que, a partir dos resultados, a longevidade excepcional deixa de ser uma entidade vaga que ninguém consegue entender.

A supercentenária Ann Pouder
A supercentenária americana Ann Pouder (1807-1917), fotografada em seu aniversário de 110 anos (foto: Charles Martin/ National Geographic Magazine).

“Fizemos um progresso significativo ao demonstrar um importante componente genético para essa característica maravilhosa [a longevidade excepcional]. Isso abre caminho para pesquisas futuras para entender melhor os determinantes genéticos e a influência do ambiente e do estilo de vida sobre o envelhecimento”, considera ele, que é autor do teste on-line Living to 100 (‘Vivendo até os 100’).

Indivíduos centenários são conhecidos por envelhecer bem. Perls cita um estudo segundo o qual 90% dos centenários teriam saúde boa até os 93 anos. Antes disso, eles raramente desenvolvem males associados à idade, como câncer, Alzheimer ou doenças cardiovasculares. “As doenças e incapacidades são empurradas para os últimos anos de vida”, explica.

A expectativa era que, entre os centenários, fosse detectada a presença reduzida de fatores associados à predisposição para esses males. Mas outro dado surpreendente da pesquisa foi verificar que não: nos indivíduos longevos, a presença desses fatores se mostrou similar à ocorrência no grupo de controle. A conclusão dos pesquisadores foi que os fatores que propiciam a longevidade parecem prevalecer sobre os que ocasionariam as doenças.

Cada assinatura genética está ligada a um diferente padrão de longevidade

Além de mapear os 150 SNPs associados à longevidade, o estudo comparou os perfis genéticos dos centenários e percebeu semelhanças entre eles. Conforme o perfil, eles foram divididos em 19 grupos diferentes – ou 19 assinaturas genéticas.

Segundo Sebastiani, cada assinatura genética está ligada a um diferente padrão de longevidade: “Algumas são associadas à maior sobrevivência, enquanto outras estão relacionadas ao aparecimento mais tardio de doenças ligadas à idade”, exemplifica.

O teste dos 150

Estudar a especificidade de cada um desses grupos e entender os mecanismos pelos quais os centenários retardam doenças pode indicar caminhos para um envelhecimento mais saudável entre os que não têm uma genética privilegiada.

“Isso não vai levar a tratamentos para que as pessoas se tornem centenárias”

Segundo Perls, não se trata de buscar um elixir da juventude: “Vejo a complexidade deste quebra-cabeça e sinto que isso não vai levar a tratamentos para que as pessoas se tornem centenárias, e sim reduzir consideravelmente a ocorrência de doenças relacionadas à idade, como Alzheimer”, considera ele.

As conclusões abrem muitos caminhos para pesquisas no longo prazo. No futuro próximo, porém, o que não vão faltar são curiosos para saber, afinal, se têm as 150 variações privilegiadas. Quem dispuser de seu genoma pessoal poderá fazer o teste em breve: um programa desenvolvido por um dos pesquisadores do grupo deve entrar no ar já na semana que vem no site do Estudo de Centenários da Nova Inglaterra. “Ele vai testar a predisposição à longevidade excepcional e ajudar a interpretar os resultados da forma correta”, conta Sebastiani.

Júlia Dias Carneiro
Ciência Hoje On-line