Uma antiga fábula ilustra o mito de que corvos são animais bastante inteligentes. Até pouco tempo atrás, porém, essa suspeita não tinha comprovação científica. Agora testes realizados em cativeiro e divulgados esta semana na revista Current Biology provaram que gralhas-calvas – aves da família dos corvos – são capazes de usar materiais disponíveis como ferramentas para resolver problemas complexos.
A inspiração para os testes veio da fábula O corvo e o jarro, de Esopo, escritor grego que teria vivido na Antiguidade e a quem se atribui a paternidade desse gênero literário. Na história, um corvo com sede joga algumas pedras em um jarro com água para que o nível do líquido suba a uma altura que seu bico possa alcançar.
“Eu queria testar essa fábula há muito tempo”, diz o neurocientista Nathan Emery, da Queen Mary University of London (Inglaterra), em entrevista à CH On-line. Para isso, ele e seu aluno, Christopher Bird, da Universidade de Cambridge (Inglaterra), colocaram quatro gralhas-calvas (Corvus frugilegus) adultas ao lado de tubos de plástico transparentes com água e uma larva de uma espécie de mariposa (Achroia grisella) boiando sobre o líquido.
Assim como os corvos da fábula, as gralhas jogaram pedras dentro dos tubos para fazer o líquido subir e, dessa forma, alcançar a larva. Tanto os machos Cook e Connely quanto as fêmeas Fry e Monroe completaram a tarefa com sucesso. Até então, o único animal que tinha obtido êxito em testes semelhantes era o orangotango.
Perspicácia em diferentes situações
As gralhas foram submetidas a quatro diferentes situações. Na primeira, estavam disponíveis pedras de mesmo tamanho e, ao lado, o tubo com água. Na segunda, o nível de água foi elevado. Na terceira, por sua vez, as pedras eram de diferentes tamanhos. Por último, a quarta situação apresentava dois tubos, um com água pura e outro com uma mistura de água e serragem.
Clique na imagem para assistir a um vídeo que mostra a gralha fêmea Monroe no teste em que são colocadas pedras de tamanhos diferentes ao lado de um tubo com água e uma larva. Para alcançar o animal, a ave escolhe usar as pedras maiores, ao invés das menores (imagens: Nathan Emery e Christopher Bird).
Segundo os pesquisadores, em todos os casos as aves pareciam calcular o número de pedras necessárias para resolver o problema e levavam em consideração, inclusive, o tamanho desses objetos. Além disso, elas não tentavam pegar a larva após cada pedra jogada no tubo. Depois de perceber pela primeira vez que o bico não entraria no recipiente, as gralhas avaliavam o nível de água e só voltavam a tentar alcançar o animal quando terminavam de lançar todas as pedras.
Para Emery, essa reação demonstra que as gralhas tinham um objetivo claro, que elas buscavam com precisão. “Estamos sugerindo um comportamento inovador, e não o aprendizado por tentativa e erro”, pondera. Em outros estudos, o pesquisador já havia constatado que as gralhas-calvas são capazes de fabricar ferramentas simples quando necessário.
Aprendizado progressivo
Os resultados do estudo sugerem que as gralhas possuem o que os pesquisadores chamam de cognição generalizada. Isso significa que elas têm comportamento flexível e podem aprender progressivamente a partir de experiências prévias, em vez de serem adaptadas especificamente para o uso de ferramentas, como apontavam anteriormente alguns cientistas.
Para César Ades, psicólogo especialista em comportamento animal da Universidade de São Paulo (USP), é difícil obter uma conclusão definitiva sobre cognição animal a partir apenas desse estudo. Ades admite, entretanto, que o fato de essas constatações terem partido da observação de aves já é por si só interessante. “Isso mostra que a ave aprendeu uma estratégia”, esclarece.
Os pesquisadores britânicos pretendem agora verificar se a descoberta se aplica a outras espécies de aves e se a influência de experiências anteriores é predominante para o bom desempenho das gralhas na resolução de problemas. “Estamos interessados em saber quais tipos de conhecimento são essenciais para resolver a tarefa de jogar pedras em recipientes com água para elevar o nível do líquido”, acrescenta. “Queremos saber também se as variáveis ecológicas influenciam esse comportamento.”
Raquel Oliveira
Ciência Hoje On-line
06/08/2009