A matemática da proteção

 


A ave marinha Pterodroma magentae , endêmica da Nova Zelândia, foi considerada extinta durante anos, mas programas de conservação levaram à sua redescoberta em 1978. Atualmente, há 20 espécies de aves na Lista Vermelha: 15 estão “criticamente ameaçadas”, uma “possivelmente só sobreviverá em cativeiro” e quatro são consideradas “extintas na natureza” (foto: Birdlife International).

Trinta e uma espécies de aves salvas da extinção nos últimos cinco séculos. Este é o saldo de ações conservacionistas realizadas em todo o globo. A conclusão foi tirada no primeiro estudo científico capaz de medir quantitativamente o impacto desses esforços. Os resultados da pesquisa foram apresentados pela zoóloga portuguesa Ana Rodrigues, da Universidade de Cambridge (Inglaterra), em artigo publicado na revista Science desta sexta-feira.

Para chegar a essa conclusão, a autora se ampara em estudos que calcularam quantas espécies de aves se extinguiram desde 1500, compilados pela organização não-governamental (ONG) Birdlife International, e na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. Ao comparar a diversidade atual das aves e a situação prevista caso não houvesse ações de conservação no mundo, os pesquisadores chegaram à medida do sucesso dos anos investidos em educação ambiental, planos de manejo, preservação de ecossistemas e outras medidas conservacionistas.

A estimativa é que, desde 1500, tenhamos perdido 150 espécies de aves graças à degradação acelerada da biodiversidade do planeta. O número passou de 9934 em 1500 para 9784 nos dias de hoje. Para concluir quais espécies corriam o risco de desaparecer, foram usados dados como tamanho de população, ameaças enfrentadas por elas e, claro, ações de conservação a que eram expostas.

“A principal conclusão é que há motivos para algum otimismo”, afirma Ana Rodrigues em entrevista à CH On-line . “As ações de conservação estão fazendo uma diferença significativa na diversidade global de aves. Sem essas ações, nosso mundo já seria mais pobre”. No entanto, ela ressalta no artigo que as 31 espécies que escaparam da extinção devido a ações de conservação ainda correm perigo e dependem do esforço continuado dessas iniciativas.

O que impossibilita a maior freqüência desse tipo de pesquisa, segundo a autora, é a variedade de ações de conservação empregadas e a dificuldade de se medir a biodiversidade. “Considera-se que há perda de biodiversidade apenas quando uma espécie se extingue”, afirma ela. “Mas ela ocorre também quando uma população diminui, com a perda de diversidade genética, por exemplo”.

Novos parâmetros

O gráfico mostra que o ser humano só começou a se redimir da degradação que vem causando às espécies de aves a partir do século 20. A área bege representa os impactos causados pelas ações humanas, e a verde, o resultado positivo das ações de conservação (arte: reprodução / PNAS ).

Para o biólogo Felipe Costa, coordenador da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, a importância do estudo está na diferença de parâmetro adotado para medir a conservação. “Pela primeira vez não se está falando em quantidade de investimento financeiro, ou de quantos hectares foram protegidos, mas de um parâmetro biológico substantivo”, diz. “Mas é preciso levar em conta particularidades do grupo. As aves são bem estudadas e há um menor número de espécies. Anfíbios, por exemplo, têm bem menos apelo popular”, lembra. Para Costa, o grande desafio não é conservar espécies, sim ecossistemas: “Há uma grande diferença entre salvar animais em cativeiro e salvá-los graças à manutenção de seus hábitats”.

Na opinião de Ricardo Machado, diretor do programa Cerrado e Pantanal da ONG Conservation International do Brasil, um estudo desse nível poderia ser feito em nosso país, mas está longe de acontecer por falta de um programa de monitoramento de populações adequado. “O projeto Mico Leão Dourado e o Tamar fazem algo semelhante quando contam a quantidade de indivíduos na natureza”, lembra Machado. “Tanto as ONGs quanto o governo poderiam usar esse tipo de pesquisa para apresentar resultados aos doadores e contribuintes. Além disso, conseguiriam classificar as ações de conservação mais eficazes”, avalia.

Juliana Tinoco
Ciência Hoje On-line
24/08/2006