A via-crúcis dos sapos

Não é novidade que o desmatamento afeta a diversidade de espécies da fauna de uma região. Mas os prejuízos podem ser ainda maiores – pelo menos para alguns anfíbios – quando os fragmentos florestais remanescentes estão longe de reservas de água. Um estudo brasileiro mostrou que a retirada das matas nas margens de rios é a principal responsável pela redução da população e do número de espécies de anfíbios que se reproduzem na água. A separação entre ambientes aquáticos e áreas de floresta, onde vivem os anfíbios adultos, provoca uma migração forçada que leva à morte muitos animais.

Várias hipóteses tentam explicar por que as populações e as espécies de anfíbios estão em declínio no mundo, entre elas, a perda de hábitat, a poluição, a exposição exagerada aos raios ultravioleta e doenças provocadas por fungos. Agora um grupo de cientistas de diferentes instituições brasileiras descobriu um fator que tem forte impacto negativo sobre a riqueza de espécies com reprodução aquática: a desconexão de hábitats, conceito criado por eles para definir situações em que indivíduos jovens e adultos vivem em ambientes separados – no caso, pelo desmatamento.

O problema acontece devido à ocupação das áreas próximas a reservas de água pelo homem, o que acaba transformando as matas ciliares (localizadas às margens de rios, lagos etc.) em pastos e lavouras e confinando as florestas a regiões mais altas. Para chegar a esses fragmentos florestais, os jovens sapos, após a temporada reprodutiva, têm que percorrer um caminho longo e cheio de perigos, que eles não estão preparados para enfrentar. Além da predação, os riscos incluem dessecação por exposição aos raios ultravioleta, envenenamento por agrotóxicos e falta de alimento.

Anfíbios da mata atlântica

O desmatamento nas margens de rios e outras reservas de água, fruto da ocupação humana, confina as florestas a regiões mais altas e provoca separação entre esses remanescentes e o ambiente aquático, onde os anfíbios se reproduzem (foto: Science).

Para realizar o estudo, publicado na Science desta semana, os cientistas analisaram as populações de anfíbios em áreas de 15 km de diâmetro em fragmentos de floresta com e sem rios da mata atlântica do estado de São Paulo. Esse bioma abriga 483 espécies de anfíbios (cerca de 80% com reprodução aquática) e é um dos cinco ‘pontos quentes’ (hotspots) de diversidade biológica mais ameaçados do mundo. Seus remanescentes florestais ocupam hoje menos de 7% da extensão original.

Segundo um dos autores do estudo, o ecólogo Carlos Roberto Fonseca, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, o número de indivíduos e a variedade de espécies de anfíbios em áreas com rio são maiores do que em regiões secas. “Em fragmentos onde não havia desconexão, foram encontradas 15 espécies; quando 100% da área estavam separados de rios, o número de espécies caiu para sete”, conta. Algumas espécies são mais afetadas, em função, por exemplo, do tamanho menor do corpo.

“Um fato curioso é que a desconexão afeta a riqueza de espécies de forma mais significativa do que a simples perda ou a fragmentação de hábitats”, ressalta Fonseca. A perda de hábitat tem efeito direto imediato sobre o tamanho das populações de anfíbios pela redefinição dos limites de seus ambientes naturais. A fragmentação age em uma escala de tempo maior por meio do isolamento da população, que estimula a procriação consangüínea. Já a desconexão de habitats pode modificar o tamanho, a estrutura e a distribuição da população em uma única geração.

Para os autores, a desconexão de hábitats ajuda a explicar por que espécies com reprodução aquática têm a maior incidência de declínio populacional. Esse processo não afeta anfíbios com desenvolvimento terrestre, pois eles podem completar seu ciclo de vida dentro dos remanescentes florestais.

Cumpra-se a lei

A mata atlântica abriga 483 espécies de anfíbios, cerca de 80% com reprodução aquática, como o sapo Proceratophrys boiei (foto: Science).

Os resultados do estudo, fruto do mestrado do ecólogo Carlos Guilherme Becker na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), reforçam a necessidade de conservar e restaurar as matas ciliares. Para Fonseca, o primeiro passo em direção à conservação é cumprir a legislação existente. Ele ressalta que, no Rio Grande do Sul, só 13% da bacia hidrográfica do rio dos Sinos têm a extensão de mata ciliar exigida por lei. “Em São Paulo, fizemos um levantamento que mostrou que 76% da vegetação às margens de rios de médio e grande porte estão desmatados”, acrescenta.

Para reduzir a taxa de declínio de anfíbios, os autores propõem a criação de amplas reservas biológicas – que incluam recursos hídricos – em regiões onde ainda não haja intervenção humana. Em áreas em que já estejam ocorrendo modificações no ambiente, eles sugerem a restauração das matas ciliares e o estabelecimento de corredores de preservação que conectem hábitats terrestres e aquáticos e permitam o trânsito dos animais.   

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
13/12/2007