A ciência acontece fora do papel

Minha geração provavelmente foi a última que utilizou de forma plena o ‘paper‘ propriamente dito. Quando eu queria um artigo que não estava presente na biblioteca de periódicos científicos da minha universidade, tinha que recorrer à base Comut. Para quem não está muito familiarizado com esse termo, a base Comut era um sistema muito avançado de busca de artigos no início do século 21 e que ainda existe.

A base funcionava da seguinte forma: eu ia à biblioteca da minha faculdade e passava a referência do artigo para um funcionário. Através de um sistema, ele checava se alguma universidade brasileira conectada tinha o artigo. Quando essa tentativa tinha êxito, eu fazia um depósito no banco referente ao custo da fotocópia e do envio pelo correio e, em algumas poucas semanas, recebia o artigo em casa.

Tenho até hoje artigos com o adesivo da base Comut e os guardo como se fossem uma relíquia. Para os alunos de hoje, isso deve parecer algo da idade da pedra, mas salvou a vida de muitos da minha geração. Agora, se o acesso aos periódicos científicos era complicado, imagina a interação entre cientistas.

Como diria um professor que eu tive, quando mais de dois alunos de iniciação científica se reúnem é uma rebelião. E realmente era difícil formar um grande grupo de alunos de uma mesma área. A troca de informações entre estudantes de universidades e pesquisadores acontecia basicamente em congressos e simpósios científicos. Mesmo havendo troca de e-mails, o contato pós-evento era escasso e restrito a grupos de pesquisa de áreas próximas.

Era o maravilhoso mundo pré-Orkut. Para muitos chefes de laboratório e orientadores, esse deveria ser considerado o mundo perfeito

Assim como no mundo real (fora do meio acadêmico), as pessoas tinham a tendência de se relacionar apenas com pessoas que conheciam no mundo off-line. Era o maravilhoso mundo pré-Orkut. Para muitos chefes de laboratório e orientadores, esse deveria ser considerado o mundo perfeito. Os alunos trabalhavam sem dispersão e se concentravam apenas nas suas tarefas.

Hoje em dia, com a popularização do acesso à internet e das redes sociais, essa realidade mudou. Em um mundo cada vez mais conectado, esse parece ser o assunto mais polêmico nas reuniões de laboratório, depois de pratos sujos deixados na pia e preparação da festa de final de ano. Como se defender dessa ameaça? Bloqueio, simples assim. Se algo tira a atenção dos alunos e diminui o nível de atenção no trabalho, a maneira mais fácil de terminar com o problema é cortar o mal pela raiz. Esta é uma medida adotada por várias instituições do Brasil e do mundo e alunos que usam as redes sociais podem ser mal vistos e até repreendidos pelos seus orientadores.

Melhor com elas!

Se você trabalha no meio acadêmico e pensa dessa forma, espero que termine de ler este texto com pelo menos uma pulga atrás da orelha. O uso de redes sociais é uma realidade e o meio acadêmico não tem uma torre de marfim tão alta para fugir disso. Dessa forma, o bloqueio ou reprovação do uso das redes por alunos e pesquisadores não só é errado como pode até prejudicar o seu desenvolvimento acadêmico. E eu não sou o único que pensa assim.

O uso de redes sociais é uma realidade e o meio acadêmico não tem uma torre de marfim tão alta para fugir disso

Para convencer pesquisadores disso, posso dar alguns exemplos publicados em sua própria língua. Um editorial do periódico Nature disse que é bom blogar. Outro editorial recente da Nature Reviews Microbiology afirmou que redes sociais são necessárias no meio acadêmico e quem está fora pode até ser prejudicado.

A troca de informações e ideias entre cientistas já está fora dos periódicos científicos e quem não estiver conectado pode ter um atraso de semanas em uma discussão acadêmica, como no caso da polêmica do arsênio. A política de só haver críticas a um artigo no próximo número de um periódico está se tornando cada vez mais incongruente com a nossa realidade on-line.

Se isso ainda não convenceu você a ter um blogue ou uma conta do Twitter, tenho um último argumento: no mundo conectado, existe a oportunidade de transformar todos os cientistas (ou quase todos) em divulgadores de ciência.

Luiz Bento nas redes sociais
Luiz Bento participa de várias redes sociais. Para o biólogo, ferramentas como os blogues podem ajudar o pesquisador a se comunicar melhor fora do meio acadêmico. Ele próprio se tornou um ativo divulgador de ciência.

Ainda há pouco, era difícil a vida dos cientistas que tentavam adaptar o conteúdo de suas pesquisas para o mundo lá fora. Somos treinados para escrever de forma simples, direta, chata e cheia de jargões. Toda a nossa criatividade e liberdade poética das aulas de literatura do colégio são esmagadas pelo formato comum dos periódicos científicos. Dessa forma, mudar a maneira com que escrevemos é uma tarefa difícil e pode ficar ainda menos atrativa pela falta de incentivo das agências financiadoras.

Nesse contexto inóspito para a divulgação científica, as redes sociais podem se tornar uma ferramenta muito importante. Mesmo que nem todos tenham o dom de Carl Sagan, treino é a base para formar bons escritores e também leitores. Blogues são gratuitos e podem ser o caderno de rascunho ideal para a mudança de linguagem. O Twitter, devido à limitação de caracteres, é um ótimo treino para concisão. O Facebook ou Google+, pelo uso de ferramentas de vídeo, fotos e grupos, trazem a experiência de integração de mídias. 

Blogues são gratuitos e podem ser o caderno de rascunho ideal para a mudança de linguagem; o Twitter, devido à limitação de caracteres, é um ótimo treino para concisão

Tenha a certeza de que um aluno conectado nas redes sociais pode se tornar um pesquisador muito mais completo, já que terá um maior potencial para realizar uma importante função de todo cientista: levar o conhecimento produzido na universidade para quem financia o seu trabalho.

No admirável mundo novo, onde a divulgação científica entrou até no Lattes (de forma tímida, diga-se de passagem), os laboratórios que contam com alunos conectados em redes sociais estão no caminho certo. Porque ciência não se faz mais apenas nos periódicos científicos. E as salas de convivência dos laboratórios onde as melhores ideias são criadas, discutidas e compartilhadas agora não têm muros.

Nos vemos na hora do café, no Twitter. Até lá!

 

Luiz Bento
Pós-doutorando do Instituto de Biologia
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Luiz Bento nas redes