O francês Yves Chauvin e os norte-americanos Robert Grubbs e Richard Schrock dividirão o Nobel de Química de 2005 (fotos: reprodução)
A reação química desenvolvida pelos premiados é conhecida como metátese – termo de origem grega que significa ‘mudança de posição’. É justamente isso que o método promove em escala molecular – átomos ou grupos de átomos ‘trocam de lugar’, de maneira a gerar novos compostos, como mostra a figura abaixo.
O esquema representa uma metátese de olefinas, na qual duas moléculas de propeno reagem, com a ajuda de um catalisador, de maneira a produzir duas novas olefinas (buteno e etileno).
Os laureados aprimoraram a metátese de moléculas orgânicas conhecidas como olefinas, nas quais há uma dupla ligação entre dois átomos de carbono. Esse tipo de reação é extremamente útil na química orgânica, que envolve compostos formados a partir do carbono. “A metátese de olefinas permitiu a síntese simples e direta de um grande número de moléculas que são dificilmente obtidas por outros métodos”, avalia o químico Eduardo Nicolau dos Santos, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A metátese de olefinas é conhecida desde o início dos anos 1950, quando foi descoberta em indústrias químicas nos Estados Unidos. No entanto, os pesquisadores que trabalhavam com essa reação tinham um entendimento apenas empírico da forma como ela ocorria. Em especial, eles não entendiam o papel desempenhado pelo catalisador – substância que aumenta a velocidade da reação, sem por ela ser consumido. Uma melhor compreensão desse processo só viria em um trabalho de 1970, pelo qual Yves Chauvin foi contemplado com parte do Nobel deste ano.
Neste estudo, Chauvin e seu aluno Jean-Louis Hérisson apontaram o catalisador responsável por viabilizar a verdadeira ciranda molecular promovida pela metátese. A molécula em questão era um composto formado por um metal associado a um átomo de carbono com uma ligação dupla. Além disso, os franceses propuseram uma explicação em escala molecular da maneira como essa reação ocorria.
Para entender o mecanismo da metátese, tente imaginar um salão de baile com vários casais dançando, sendo cada um dos pares uma molécula de olefina. De maneira bastante simplificada, tudo se passa como se o catalisador trocasse de par com uma molécula de olefina, e em seguida com outra diferente, formando novos pares (novos compostos químicos), conforme representado no esquema abaixo.
O esquema representa a metáfora da ‘dança das moléculas’ durante a metátese: a molécula preta é o catalisador, que troca de par com uma molécula de olefina. Em seguida, ela troca de par com uma nova molécula de olefina. Clique na imagem para assistir a uma animação em Flash disponível no site da Fundação Nobel, muito instrutiva para a compreensão do processo (arte: reprodução).
O mecanismo proposto por Chauvin permitiu a compreensão da metátese e abriu as portas para uma série de estudos que aprimoraram essa reação. Mas ainda faltava obter catalisadores mais eficazes e confiáveis – e foi isso que fizeram os outros dois premiados. “Robert Grubbs e Richard Schrock desenvolveram catalisadores homogêneos, que permitem um melhor controle da reação e servem para sintetizar moléculas mais complexas”, explica Eduardo Nicolau.
Schrock começou a trabalhar com a metátese de olefinas no início dos anos 1970. Após testar uma série de metais, ele concluiu que os catalisadores mais apropriados seriam feitos a partir de molibdênio e tungstênio. Nos anos 1990, ao lado de outros colaboradores, ele chegou a um catalisador à base de molibdênio que mostrou resultados satisfatórios.
Um outro avanço viria em 1992, quando a equipe de Robert Grubbs descobriu um catalisador à base de rutênio, estável no ar e ativo para mais tipos de olefinas que o obtido por Schrock. Os catalisadores desenvolvidos por Grubbs logo foram aplicados em vários laboratórios e se tornaram um padrão na área.
A partir dessas descobertas, a metátese de olefinas se tornou comum na pesquisa acadêmica e na indústria. Logo a reação se transformou na menina dos olhos para a síntese de compostos orgânicos. Não é para menos: ela tem sido usada para sintetizar em laboratório moléculas cuja obtenção seria muito mais complexa, dispendiosa e poluente por outros métodos.
A lista de compostos obtidos pela metátese de olefinas inclui produtos naturais essenciais para a pesquisa de novos fármacos, feromônios de insetos, herbicidas, aditivos para combustíveis e polímeros de grande interesse comercial. “A técnica permitiu sintetizar produtos de alto valor agregado, como a civetona, útil na composição de perfumes”, exemplifica Eduardo Nicolau.
“O trabalho dos cientistas premiados é realmente fantástico e criou uma revolução em termos de metodologia sintética”, avalia o químico Simon Garden, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Essa premiação era esperada na comunidade acadêmica e é totalmente merecida.”
Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
05/10/05