Acampamento de cientista

Às vezes, um projeto de ciência é igual a acampamento adolescente. A velha fórmula: acordar e dormir juntos, novas amizades, afinidades vindo à tona e – claro – uma roda de violão para celebrar o encontro de almas.

Foi mais ou menos o que aconteceu com a turma de físicos que trabalham no Atlas, um dos seis detectores de partículas do Grande Colisor de Hádrons, o famoso LHC.

Dois CDs e um DVD serão lançados no início de dezembro

Cravados na Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (Cern), localizada em Genebra (Suíça), e muitas vezes trabalhando num túnel de diâmetro e comprimento quilométricos – a título de curiosidade: no espaço em que se encontra o Atlas caberia a Catedral de Notre-Dame –, 19 físicos resolveram deixar a ciência em segundo plano e criaram um projeto musical: o Resonance.

Dois CDs e um DVD produzidos pelo grupo serão lançados no início de dezembro. As canções são dos mais diversos estilos, do erudito ao rock. Nos bastidores da gravação do projeto (vídeo abaixo), dá para perceber como o grupo de cientistas é heterogêneo (no Atlas há pesquisadores de 38 países).

Harpas e guitarras misturam-se, em músicas que falam da vida pessoal dos físicos e, também, de longas reuniões – notória reclamação de muitos pesquisadores envolvidos com o LHC.

Pedimos ao jornalista Cássio Leite Vieira, editor de internacional da CH impressa, que ouvisse o projeto Resonance. Cássio é nosso tira-dúvidas de física e ataca de baterista da banda Queda Livre, do CBPF, nas horas vagas.

Ele aprovou as faixas em que o grupo interpreta música erudita. “Os instrumentistas clássicos parecem ter boa formação musical, e a técnica de alguns é bem satisfatória. O destaque, para mim, fica com a dupla Harry van der Graaf e Hubert Niewiadomski interpretando peças de música antiga.”

Mas a vertente rock’n’roll do projeto não agradou tanto a nosso exigente baterista. “Estranha o fato de esses músicos lidarem com física de fronteira, mas comporem com os olhos no passado. As faixas-aperitivo, que podem ser ouvidas na web, não impressionam, apesar de um ou outro músico mostrar que domina o instrumento.”

Mais curiosidades: os músicos (ou físicos) lançarão o projeto por um selo criado por eles próprios – o Neutralino Records. Neutralino é uma partícula hipotética postulada pelos cientistas que trabalham com a teoria da supersimetria.

Uma das músicas que estão no DVD do Resonance é de um grupo de Genebra: o Canettes Blues Band. Eles fizeram uma canção que narra o dia a dia no LHC. Fala de física de partículas, cita um tanto de vezes o bóson de Higgs, conta aventuras com pósitrons e elétrons e finaliza com refrão matador: we got the LHC running now, Atlas you’re my home (“o LHC está funcionando agora, Atlas, você é minha casa”).

A compra dos CDs e DVD de Resonancepoderá ser realizada em lojas virtuais, como a do iTunes, oupessoalmente, no próprio Cern. A renda será doada para uma instituiçãode caridade. Vale o chavão: a ciência é pop!

Assista ao videoclipe de “The Atlas boogie”,
da banda Canettes Blue Band

LHC e a música

Não é a primeira vez que o LHC inspira um projeto musical e embala a vida de cientistas e curiosos. Quando o Grande Colisor de Hádrons começou a funcionar, em 2008, um rap feito para explicar o seu funcionamento ganhou visibilidade na internet, com mais de 6 milhões de acessos no YouTube.

Confira abaixo o clipe do rap com legendas em português:

Bem antes de o LHC entrar em funcionamento, porém, no início do anos 1990, um grupo do Cern já cantava sobre partículas subatômicas: a banda feminina Les Horribles Cernettes (leia relato sobre essa iniciativa publicado aqui no Bússola).

A líder do grupo? Uma secretária da instituição revoltada pela devoção do seu namorado – um físico do Cern – à profissão.


Thiago Camelo

Ciência Hoje On-line