Ação virtual, reação real

Os jogos de cooperação servem como uma das bases da terapia comportamental usada para ajudar autistas a superar suas limitações. Caracterizado pela dificuldade de desenvolvimento da linguagem, pelo déficit de interação social e pelo comportamento repetitivo, o autismo tem nas atividades que impõem a troca uma de suas estratégias de tratamento.

Jogos de cooperação, em geral, costumavam ser ‘analógicos’

Esses jogos, em geral, costumavam ser ‘analógicos’; atividades lúdicas, que podiam envolver cola e papel ou brincadeiras com o corpo das mais diversas.

Era difícil que alguma atividade virtual entrasse na roda. O video game, antigamente, impunha a introspecção. Jogar nesse tipo de plataforma era, comumente, atitude solitária. No máximo, jogava-se em dupla – ‘jogar de dois’ na gíria. Hoje, é possível disputar partidas on-line (com uma rede de amigos conectados) e bolar estratagemas virtuais em que só se avança de fase se o(s) parceiro(s) fizer(em) o movimento certo. 

O leque dos jogos virtuais de cooperação ganhou mais uma opção com o desenvolvimento da tecnologia de telas sensíveis ao toque – as telas touchscreen. Se, num primeiro momento, fica difícil imaginar ‘jogar de dois’ com um telefone de funcionalidades avançadas e com sensibilidade ao toque ou, até mesmo, com um tablet, aquelas pranchetas inteligentes cujo principal expoente é o iPad, é mais fácil visualizar o jogo em equipe quando a tela cresce. 

É o que ocorre nas mesas com telas sensíveis, uma estrutura que pode ter até 50 polegadas e que permite toques de múltiplos jogadores. No Rio de Janeiro, esse modelo de mesa vem sendo testado na terapia com autistas.

Pedir, ajudar e receber

A estudante colombiana Greis Silva desenvolveu, como parte de sua pesquisa de mestrado no Departamento de Informática da PUC-Rio, um jogo de computador de cooperação para rodar na mesa touchscreen. O foco é a terapia com jovens autistas entre 12 e 17 anos. O nome do game? O sugestivo PAR, sigla de ‘peço, ajudo, recebo’.

Desde o dia 24 de abril, Silva vem treinando e fazendo testes com oito crianças e jovens do Instituto Ann Sullivan, instituição no Engenho Novo, Zona Norte do Rio, especializada no tratamento do comportamento e da cognição de autistas.

A dinâmica do jogo obriga que dois participantes atuem por meio de uma relação de ação e reação

A dinâmica do jogo obriga que dois participantes atuem por meio de uma relação de ação e reação. O objetivo é vestir um jogador de futebol com o seu uniforme. Para isso, é necessário recolher camisa, calção e chuteira com meião. Um dos jogadores fica responsável por escolher as peças, enquanto o outro, do lado oposto da mesa, controla um recipiente que deverá ser posicionado no local adequado para receber cada item. Se o recipiente não estiver no lugar certo, ou se o responsável por escolher a peça não for bem-sucedido, não se passa à fase seguinte.

São três fases, com aumento de ‘obstáculos’ cooperativos à medida que se tem êxito. Na segunda fase, por exemplo, o responsável por controlar o recipiente tem de apertar um botão e escolher – dizer ao outro – qual parte do uniforme quer receber naquele momento.

Em seu estudo, Silva quer avaliar as possíveis mudanças na sociabilidade dos portadores de autismo no decorrer da dinâmica do jogo. Ela espera que haja um aumento na habilidade social, mais até do que um desenvolvimento da cognição. 

A criadora e diretora do Instituto Ann Sullivan, a psicóloga Maryse Suplino, é ainda mais otimista e acredita que o jogo pode desenvolver a capacidade cognitiva dos jovens, além de ajudar em situações que exigem cooperação análoga no dia a dia.

A estudante colombiana deseja, no final do processo, disponibilizar o jogo gratuitamente, por meio de uma licença autoral livre que pode ser, segundo ela, a Creative Commons. Silva ainda pensa na melhor maneira de facilitar o acesso a mesas sensíveis ao toque, mas já sugere uma parceria entre instituições de capacitação, universidades e governo para encontrar a solução.

Veja abaixo vídeos-entrevistas com Greis Silva e Maryse Suplino e, também, cenas dos jovens aprendendo a jogar o PAR. 

 


Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line