Se o leitor abrir O espetáculo da evolução , do biólogo molecular Bertrand Jordan, e achar que, por descuido, começou a ler o diário de viagem de um pesquisador, não se engane. É a partir de sensações e observações da natureza que o autor apresenta diversos conceitos e aspectos polêmicos da disciplina que estuda. A visão de uma criatura marinha, por exemplo, desperta comentários sobre a reprodução celular e, em narrativas igualmente inusitadas, Jordan discorre sobre DNA, clonagem, organismos transgênicos e outros objetos de pesquisa.
Autor de diversos livros de divulgação científica, o biólogo francês ganhou reconhecimento internacional pela descoberta, em 1980, do gene da histocompatibilidade, assim batizado por comandar a síntese da proteína HLA, importante no funcionamento das defesas imunológicas do organismo. A descrição da descoberta no livro ‐ apresentada como “um belo presente de Natal” ‐ busca jogar por terra o mito do cientista solitário e brilhante: Jordan define seu esforço como “um trabalho de formiga”, sempre rodeado do trabalho de muitos outros pesquisadores.
Preocupado em atrair as emoções do leitor, a despeito da realidade aparentemente fria e racional da ciência, o autor sugere relações entre as pesquisas e os acontecimentos cotidianos. A memória da morte de sua irmã suscita reflexões sobre os possíveis caminhos a seguir em direção à cura do câncer, doença para a qual os tratamentos existentes ainda são bem menos eficazes do que se desejaria.
É nesse panorama que o pesquisador insere os grandes questionamentos acerca da biologia molecular contemporânea, ao mesmo tempo em que compartilha suas angústias em relação ao tema. Nesse ponto, Jordan luta contra as explicações criacionistas para o surgimento do homem e as fugas encontradas por diversas religiões para dar um sentido extra-evolutivo à vida do homem. Para ele, o homem não representa o sentido e o fim da evolução, mas apenas uma etapa do processo.
O biólogo não deixa de observar que, apesar disso, o ser humano apresenta em relação aos seus antepassados e seres contemporâneos a vantagem de poder assumir um determinado controle do processo evolutivo. A manipulação do genoma dos organismos gera certa apreensão e desconfiança em relação aos rumos que pode tomar ‐ embora a tecnologia atual ainda não permita a criação de organismos totalmente novos, especialmente desenvolvidos para atender as necessidades de seu criador.
O espetáculo da evolução é livro para ser discutido, conversado, afirmado, contestado. Apresenta as visões de um autor sobre temas já discutidos à exaustão e em que o leitor mais interessado poderá aprofundar-se em busca de outras leituras, inclusive as sugeridas pelo próprio Jordan. Frases um pouco confusas podem demandar uma segunda leitura e, se o leitor não tiver familiaridade com alguns conceitos da biologia, não custa ler com um dicionário ao alcance das mãos.
O espetáculo da evolução ‐ sexualidade,
origem da vida, DNA e clonagem
Bertrand Jordan (trad.: André Telles)
Rio de Janeiro, 2005, Jorge Zahar Editor
136 páginas ‐ R$ 24
Catarina Chagas
Especial para a CH On-line
30/04/05