O semi-árido nordestino é a região brasileira mais vulnerável aos impactos das mudanças climáticas. Mas não será preciso aguardar algumas décadas para a população local sentir na pele os efeitos do aquecimento global: esses impactos já são palpáveis hoje, de acordo com o meteorologista Paulo Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Em conferência na manhã de segunda-feira durante a reunião anual da SBPC, que acontece esta semana em Natal, Nobre apresentou dados que caracterizam o impacto das mudanças climáticas no Nordeste brasileiro. O pesquisador do Inpe esboçou também algumas ações que, segundo ele, permitiriam à população local se adaptar a um futuro mais quente aproveitando ao máximo seus recursos naturais de forma sustentável.
Os números mostrados por Nobre são alarmantes. Eles mostram, por exemplo, que a média mensal da temperatura máxima registrada em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata de Pernambuco, aumentou 3,5ºC entre 1960 e 2005.
Outro indicador preocupante é a frequência das chuvas intensas, com mais de 100 mm em um período de 24 horas: as precipitações desse tipo praticamente triplicaram entre 1964 e 2010 na Zona da Mata e no litoral daquele estado.
As projeções para o futuro são desanimadoras. No cenário pessimista, o Nordeste ficará de 2 a 4ºC mais quente, e as chuvas terão redução de 15% a 20% até o fim do século. Na hipótese otimista, o termômetro subirá de 1 a 3ºC, e as precipitações terão redução de 10 a 15%, segundo dados apresentados por Paulo (que é irmão de Carlos Nobre, também meteorologista do Inpe).
Mudança de paradigma necessária
Para fazer frente a essa perspectiva assustadora, Paulo Nobre diz que é preciso romper com o paradigma agrícola predominante no Nordeste. “A agricultura de subsistência no semi-árido será inviável no futuro”, estima.
Ele defende que os agricultores abram mão de lavouras pouco adaptadas ao clima local, como o milho. “Quem planta milho terá toda a chuva de uma estação em um único dia”, prevê. “Ao plantador só restará chorar, porque o milho requer uma distribuição regular de precipitações.”
Em vez de apostar em atividades econômicas baseadas na disponibilidade da água – um bem que deve escassear ainda mais no futuro –, Nobre defende que o Nordeste invista naquilo que a região tem de mais abundante: Sol e vento.
Segundo dados apresentados por ele na conferência, o Nordeste é a região brasileira com maior potencial de geração de energia eólica (144,3 gigawatts) e solar (5,9 kilowatt-hora por metro quadrado). “Quem investir em usinas de geração de energia elétrica com painéis solares vai sorrir quando vier a seca”, aposta o meteorologista.
Paralelamente ao investimento em energias renováveis, Nobre defende a criação de programas de recuperação da mata ciliar nas margens dos rios locais e da caatinga degradada – ações que garantiriam emprego para a população e protegeriam o meio ambiente.
“A recuperação da vegetação nativa é uma das formas mais eficazes de mitigação dos efeitos do aquecimento global”, justifica.
O cultivo de frutas que requerem pouca água para crescer e têm alto valor de mercado também seria uma aposta adequada à realidade climática do Nordeste, diz o pesquisador do Inpe.
Mas para que se consiga tudo isso, pondera, é fundamental colocar todas as crianças e jovens na escola: “Temos de abandonar a visão de que o Nordeste é pobre porque não tem água, e para isso é preciso que haja educação de qualidade para todos.”
Assista a um trecho do filme Abril despedaçado mostrado por Paulo Nobre em sua palestra
Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
Leia mais textos no Especial SBPC 2010