Biodiversidade em debate

No último sábado (15/9), 88 cidadãos, de 19 estados brasileiros, diferentes perfis sociais e idades variadas, se reuniram no Rio de Janeiro para discutir a biodiversidade da Terra. Tinha gente de Rondônia, do Mato Grosso do Sul e de Santa Catarina. Havia índio, agricultor e professor. Moças jovens e senhores idosos. Uma diversidade sociocultural quase tão rica quanto a variedade de vida do planeta.

O encontro integrou o projeto internacional ‘Visões Globais sobre Biodiversidade’, cujo objetivo é informar tomadores de decisão e formuladores de políticas públicas sobre as opiniões dos cidadãos a respeito do que deve ser feito em relação à espantosa e acelerada perda da diversidade biológica global.

A iniciativa – coordenada pelo Conselho Dinamarquês de Tecnologia e pela Secretaria da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) – envolveu 25 países (19 países em desenvolvimento), em cada um dos quais um ou mais grupos de aproximadamente 100 pessoas se reuniram, no mesmo dia 15, para discutir o tema. A participação brasileira ficou a cargo do Museu da Vida/Fiocruz e foi financiada principalmente por entidades nacionais.

O compromisso de cada país era transmitir as opiniões recolhidas às delegações que participarão da 11ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, a COP 11, em outubro próximo, na Índia. A ideia é que, de alguma forma, essas visões influenciem as medidas que serão definidas no encontro.

Uma experiência de deliberação

As consultas públicas realizadas no Brasil e nos outros países foram inspiradas em mecanismos de participação na ciência usados com frequência em nações da Europa e da América do Norte, como a conferência de consenso e o júri de cidadãos.

Em geral, recorre-se a esses ‘instrumentos’ em momentos de decisões importantes sobre a introdução de novas tecnologias, para que diversos setores da sociedade possam conhecer e debater o assunto e apresentar suas visões sobre ele.

Essa foi uma das primeiras experiências do tipo no Brasil. Mais de 600 pessoas manifestaram interesse em participar. As 88 que de fato participaram foram escolhidas de acordo com seus perfis socioeconômicos e profissionais para compor um grupo o mais heterogêneo possível.

Visões Globais sobre Biodiversidade
Luisa Massarani, coordenadora do Museu da Vida, Paulo Gadelha, presidente da Fiocruz, e o senador Rodrigo Rollemberg compuseram a mesa de abertura da consulta pública, realizada na sede da Fiocruz, no Rio. Todos destacaram a importância do evento e de uma participação maior dos cidadãos no debate sobre a biodiversidade. (foto: Peter Ilicciev/ Fiocruz)

Antes do evento, todas receberam uma apostila informativa abordando as principais questões que serão debatidas na COP 11. No dia, elas foram separadas em 16 grupos para discutir os temas propostos para o debate sobre a biodiversidade.

O evento foi dividido em cinco sessões temáticas – introdução à biodiversidade, biodiversidade terrestre, biodiversidade marinha, repartição global de encargos e benefícios e biodiversidade no Brasil –, cada uma iniciada com um vídeo informativo sobre o assunto em pauta. Em seguida, o tema era debatido nos grupos a partir de perguntas norteadoras. Ao fim, cada participante preenchia um formulário de múltipla escolha com seu parecer sobre cada uma das questões.

Em algumas mesas, as discussões eram acaloradas e as divergências de opiniões ficavam nítidas – embora colocadas de forma bastante diplomática. Em outras, o debate fluía de forma mais amena, expressando um consenso maior entre os diferentes atores envolvidos.

Compromisso coletivo

Do total de participantes, um quarto disse saber muito pouco sobre biodiversidade antes de se envolver no evento, porcentagem que diminuiu para 9% ao fim do encontro. A maioria (quase 82%) declarou-se muito preocupada com a perda de biodiversidade.

Entre as medidas para garantir a proteção de áreas naturais, a educação de crianças em idade escolar e do público em geral por meio da divulgação e do debate de temas relacionados ganhou em número de votos. A necessidade de incorporar questões ligadas à biodiversidade a todas as áreas de planejamento também foi ressaltada pela maioria, assim como o enrijecimento e a fiscalização das leis vigentes.

No que diz respeito à proteção dos oceanos, os cidadãos reunidos no Rio defenderam a rápida diminuição dos incentivos e subsídios que levam à pesca extensiva – um dos maiores problemas relacionados à biodiversidade marinha – e a elaboração de acordo internacional para estabelecer mais áreas de proteção marinha em alto mar – hoje, só 2% dos oceanos do mundo estão protegidos e áreas de proteção não podem ser instituídas por países individualmente.

Todos os países – desenvolvidos e em desenvolvimento – devem contribuir para os esforços de preservação da biodiversidade, esteja ela onde estiver

Na opinião da maioria dos consultados, todos os países – desenvolvidos e em desenvolvimento – devem contribuir para os esforços de preservação da biodiversidade, esteja ela onde estiver. E mais: todos devem pagar para ter acesso aos benefícios proporcionados por seu uso.

Para melhor proteger a biodiversidade brasileira, os participantes destacaram as seguintes ações: valorização do papel das populações indígenas e comunidades locais; fortalecimento do diálogo entre sociedade, políticos e tomadores de decisão; criação de reservas naturais para a proteção de espécies ameaçadas; e estímulo à pesquisa sobre biodiversidade.

Esses são apenas alguns dos dados levantados na consulta brasileira. Todos os resultados – referentes ao Brasil e aos demais países que integraram a iniciativa – já estão disponíveis no site do evento.

Lições para as próximas

Embora, no geral, as pessoas tenham ficado contentes por participar do encontro e ter tido a oportunidade de discutir e opinar sobre o tema proposto, cerca de um quarto dos presentes declarou não ter ficado satisfeito com a organização da iniciativa e metade se disse cética ou preferiu não responder quanto ao uso dos resultados na formulação de políticas públicas e na influência de decisões.

As críticas mais contundentes recaíram sobre o método de coleta das opiniões, mais precisamente sobre o questionário de múltipla escolha que cada um tinha que preencher ao fim das sessões. Alguns participantes não sentiram suas opiniões bem representadas nesses formulários e consideraram o seu uso uma forma simplista demais de refletir o rico debate vivenciado.

A crítica é pertinente. Não é simples nem barato organizar um encontro desse tipo, com a diversidade de atores e visões envolvida. No caso do ‘Visões Globais’, os desafios logísticos foram superados com destreza. Mas, ao reduzir o rico debate a ‘Xs’ em questionários, perdeu-se a oportunidade de entender melhor o que as pessoas realmente pensam sobre a biodiversidade, de forma mais complexa e profunda.

Num país com parca tradição participativa e democracia frágil, deve-se valorizar o simples fato de uma consulta pública ter ocorrido

Por outro lado, era preciso poder comparar as visões de cidadãos de 25 países – com realidades bastante distintas – em tempo de elas se fazerem presentes na COP 11, onde as decisões sobre o tema serão tomadas. Como fazer isso em menos de um mês sem recorrer a métodos quantitativos?

De qualquer forma, num país com parca tradição participativa e democracia frágil, deve-se valorizar o simples fato de uma consulta pública ter ocorrido, sobretudo envolvendo questões científicas de grande relevância e impacto social. Ficou claro que as pessoas querem discuti-las e influenciar decisões a elas relacionadas. Que venham outras. Afinal, é preciso fazer mais para errar menos!


Carla Almeida
Ciência Hoje On-line