Câncer de mama na mira

Com o tamanho de uma moeda de cinquenta centavos, um dispositivo em fase de testes pode representar uma esperança considerável para a detecção precoce de alguns tipos de câncer de mama. Composto por um tipo de transistor à base de grafeno, o biossensor pode detectar em poucos minutos a presença de uma proteína que indica tumores mamários em pré-desenvolvimento, antes do surgimento de qualquer nódulo. 

Segundo a pesquisadora responsável pela pesquisa, a química Cecília de Carvalho Castro e Silva, do Instituto de Química da Universidade de Campinas (Unicamp), a proteína HER2, detectada pelo biossensor, está presente em cerca de 25% dos casos de câncer de mama. “Seria possível fazer uma predição do desenvolvimento do tumor de mama no estágio 0, no qual a quantidade de células cancerosas é relativamente pequena e concentrada”, explica a pesquisadora. “Assim, a mulher poderia ter um sinal de alerta para iniciar exames clínicos mais aprofundados e um tratamento precoce”, acredita Silva, que desenvolveu o dispositivo durante o doutorado sob a orientação do químico Lauro Tatsuo Kubota.

O dispositivo foi concebido a partir de pesquisas que apontaram a eficiência da proteína como um marcador para a doença. “Diversos estudos anteriores indicaram que o monitoramento no aumento do HER2 pode proporcionar um diagnóstico entre dois a nove meses antes dos sinais clínicos”. Para criar o biossensor, a pesquisadora fabricou um transistor de efeito de campo à base de grafeno. “Substituímos o silício pelo grafeno, o que trouxe uma sensibilidade elevada ao dispositivo”, relata Silva. Os anticorpos específicos para a interação com o biomarcador HER-2 são imobilizados na superfície do grafeno e, toda vez que a proteína se liga a estes anticorpos, há uma mudança na corrente do biossensor. “Assim podemos fazer uma relação com a concentração de HER-2 na amostra”, detalha a pesquisadora.

O biossensor projetado é tão sensível que pode detectar até 500 fentogramas (10-12) de HER2 por mililitro de sangue. De acordo com Silva, a concentração de uma paciente saudável seria de 12 nanogramas por mililitro, podendo evoluir para 15 nanogramas em pacientes de risco nas quais o HER2 atue como um marcador tumoral do câncer de mama. 

Diagnóstico com uma gota de sangue

O dispositivo ainda não foi testado em humanos, mas a expectativa é de que o diagnóstico possa ser realizado com apenas uma gota de sangue. Entre as etapas necessárias para transformar a tecnologia em realidade, segundo Silva, estão o desenvolvimento de dispositivos que permitam o monitoramento de mulheres em tempo real, como baterias biocompatíveis e miniaturizadas e um sistema de comunicação para o envio dos resultados. “No momento, nossa meta é conseguir realizar os testes clínicos e etapas de validação para comprovar a eficácia do sensor”, diz Silva. 0

Além do câncer de mama, a pesquisadora explica que o dispositivo poderia ser adaptado para o diagnóstico de outras doenças que possuam biomarcadores semelhantes

Além do câncer de mama, a pesquisadora explica que o dispositivo poderia ser adaptado para o diagnóstico de outras doenças que possuam biomarcadores semelhantes. “Podemos apenas mudar o anticorpo específico de reconhecimento e aplica-lo para a detecção de biomarcadores para tipos de câncer de ovário, próstata, pulmão ou até mesmo pacientes com risco de sofrer um infarto”, diz Silva.

Segundo a biofísica Eliana Abdelhay, que trabalha com marcadores biológicos do câncer de mama no Instituto Nacional do Câncer (Inca), a possibilidade de diagnósticos precoces e não invasivos é a maior contribuição do estudo. “A pesquisa demonstrou que os biomarcadores do câncer podem ser identificados em quantidades muito pequenas no sangue periférico das pacientes propiciando um diagnóstico não invasivo”, avalia. O câncer de mama é o mais frequente entre as mulheres de todo o mundo, com 8,2 milhões de mortes anuais, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Graças ao potencial da pesquisa, Silva, de 28 anos, foi eleita como uma das 30 personalidades brasileiras promissoras com menos de 30 anos segundo uma pesquisa da Forbes Brasil. Por coincidência, o reconhecimento veio pouco antes do Dia Internacional da Mulher. Para Silva, uma oportunidade a mais para discutir a participação feminina na ciência brasileira. “Nosso pais tem inúmeras mulheres produzindo ciência de excelente qualidade, porém elas precisam ser vistas e apoiadas de forma igual”, aponta.

Simone Evangelista
Especial para a CH Online