Chute iluminado

Como transformar a paixão por um esporte tão popular quanto o futebol em alternativa para uma das principais necessidades dos países pobres? Ou, mais precisamente, como converter a energia dos chutes dos jogadores em energia elétrica?

Esta foi a pergunta que um grupo de quatro engenheiras da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, se fez. A resposta veio com a criação, há cerca de dois anos, de uma bola capaz de transformar em eletricidade a energia desse impacto, que normalmente é perdida para o meio.

“As pessoas jogam durante horas por dia, então pensamos: ‘por que não tentar tirar um pouco mais dessa energia?’. Foi quando a ideia finalmente veio”, disse Jessica Lin, uma das idealizadoras do projeto, em matéria do jornal New York Times.

Atrito e tensão

Batizada de sOccket – combinação entre as palavras soccer (futebol, em português) e socket (soquete) –, a bola tem potencial para armazenar, a cada 10 minutos de jogo, energia suficiente para iluminar uma lâmpada LED por até três horas. Além disso, ela pode carregar celulares e baterias.

A inspiração das engenheiras veio das pistas de dança, onde a ideia de converter em luz a energia do movimento – no caso, dos dançarinos – já havia saído do papel. Nas noitadas, o ‘truque’ está em molas, acopladas ao piso, que captam a energia e a enviam para um gerador. Dele, é emitida a iluminação da própria pista.

Já a energia captada pela sOccket nos gramados conta com outros recursos. O dispositivo é, aliás, o mesmo empregado em lanternas que funcionam ao serem agitadas pelo usuário, conhecido como bobina de indução.

Dentro da sOccket, há um ímã e uma bobina desse tipo, que tem a forma de um cilindro e é envolvida por um fio elétrico. Nas partidas de futebol, o movimento da bola produz atrito entre o ímã e a bobina, gerando eletricidade.

Veja a sOccket em ação

 

Luz na África

A equipe de engenheiras desenvolveu no final de 2008 a primeira versão da ‘bola energética’, que ainda precisava de 15 minutos para iluminar uma lâmpada LED.

Em 2010, a sOccket 2.0, nome dado a sua versão aperfeiçoada, foi testada na Libéria, Nigéria e África do Sul, alguns dos países-alvo do projeto. O objetivo: avaliar o interesse das crianças, o desempenho da bola e, claro, promover a invenção em plena Copa do Mundo.

No blogue (em inglês) criado pelo grupo, as engenheiras Jessica Matthews e Julia Silverman compartilham com os internautas a viagem que a sOccket fez ao país sede da última Copa. Entrevistas, fotos e vídeos mostram de perto como a invenção foi (bem) recebida, dos gramados às casas – seu destino final, como fonte de energia.

Os países africanos não foram escolhidos por acaso: na maioria deles, segundo relatório recente do Banco Mundial, 95% da população não têm acesso à eletricidade. Como alternativa, recorre-se ao nocivo querosene para a iluminação noturna.

O risco do uso do querosene para a saúde também já foi provado em números: o Banco Mundial mesmo estima que o efeito de respirar a fumaça liberada pela queima de querosene em ambientes fechados equivale ao de fumar dois maços de cigarros por dia.

sOccket na África
Com a sOccket, o querosene usado para iluminar as casas à noite poderá ser deixado de lado. Esse óleo é um dos grandes vilões da saúde do povo africano. (foto: soccket.posterous.com)

A redução do uso dessa fonte – e a consequente melhoria na qualidade de vida dos africanos – é um dos maiores trunfos da sOccket, projeto que, como lembram as próprias fundadoras, está longe de ser solução para os grandes desafios energéticos.

“Recebemos comentários de que essa bola não resolverá os problemas de energia do mundo em desenvolvimento, e temos consciência disso”, comenta Lin ao NYT. “Mas se o nosso projeto fizer ao menos as pessoas começarem a pensar sobre os caminhos para se levar energia a lugares como a África, ele já será importante.”

O passo agora é vender a nova bola para nações desenvolvidas e, com o lucro, distribuí-la nos países para os quais foi realmente produzida. Limitações à parte, as imagens não deixam dúvidas: a ideia foi – e é – iluminada.

Carolina Drago
Ciência Hoje On-line