Ciência marginal

Das margens ao centro: somos testemunhas da gênese de uma nova percepção social. Códigos outrora consolidados estão a ruir; e estruturas de fluxos e influências estão em perpétua dissolução.

Os que estiveram presentes na conferência do antropólogo Otávio Velho, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da diretoria do Instituto Ciência Hoje (ICH), na 65ª Reunião Anual da SBPC, entenderam a contundente mensagem. Hoje, as chamadas periferias já não mais ocupam lugar marginal. Pelo contrário: o poder de mobilização dos que um dia foram relegados a uma condição social periférica está hoje a influenciar o que chamamos de centro.

O poder de mobilização dos que um dia foram relegados a uma condição periférica está hoje a influenciar o que chamamos de centro

Tradicionalmente, segundo o antropólogo, a visão de mundo dos ‘centros’ tende a se espalhar pelas periferias. “É como a imagem de uma pedra que, atirada na superfície de um lago, forma círculos concêntricos ao redor de si”, explicou Velho.

Mas essa crença tem sido abalada. Exemplos recentes sugerem que tal lógica não é mais inexorável. O antropólogo citou um estudo conduzido durante o mestrado de Jacqueline Parmigiani na Universidade Estadual de Londrina que mostrou a influência social exercida por pequenos agricultores atingidos pela barragem da usina hidrelétrica de Salto Caxias, no Paraná.

“As mudanças em curso colocam desafios para nossas teorias”, ponderou Velho. “Como é possível, por exemplo, que as mulheres ganhem seguidamente papéis de liderança, ao contrário do que supunham nossas teorias?”

Articulação e mobilização

Segundo o pesquisador da UFRJ, pequenas organizações de indivíduos articulados são capazes de mobilizar prefeituras, governos estaduais, federais e mesmo agências internacionais. “Há nisso uma sofisticação política difícil de se observar entre as classes médias urbanas”, comentou.

É por essas e outras que, para o antropólogo, “pesquisas de campo nas ciências sociais podem ser fundamentais para que o Brasil se conheça melhor”.

“Não poderiam as margens ser vistas como lugares privilegiados para se revelar aquilo que, nos centros, é apenas mais bem disfarçado?”

Por trás desse paradigma relacional – entre centro e periferia –, há uma noção eurocêntrica do mundo, disse Velho, referenciando o que chamou de “modernidade colonizadora mimética”.

Ele foi além: “Não poderiam as margens ser vistas como lugares privilegiados para se revelar aquilo que, nos centros, é apenas mais bem disfarçado?”

Velho acrescentou que, atualmente, o paradigma da centralidade da Europa é objeto de desilusões, que, segundo ele, são acompanhadas de surpresas: desenvolvimentos inesperados no chamado Terceiro Mundo. Essas situações, para o antropólogo, contrariam nossas velhas concepções e nos fazem refletir sobre a história estabelecida.

Também na 65ª Reunião Anual da SBPC, outro membro da diretoria do ICH, a socióloga Maria Lucia Maciel, participou da mesa-redonda ‘Ciência, democracia e política de CT&I no Brasil’.

Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line

Veja a cobertura completa da 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e confira nossa galeria de fotos do evento.