Decifrar o genoma de uma das espécies de barbeiro pode representar um passo importante na luta contra a doença de Chagas, que afeta aproximadamente sete milhões de pessoas no mundo – ela é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, cuja transmissão se dá por meio das fezes do inseto, um tipo de percevejo que se alimenta do sangue de humanos e animais. A análise detalhada de mais de 95% do DNA ativo do Rhodnius prolixus foi publicada na última semana na revista PNAS. Confira cinco pontos importantes sobre a pesquisa e entenda sua importância para a saúde pública:
1) Se o Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, já teve seu DNA sequenciado em 2005, por que precisamos conhecer o genoma do barbeiro?
Ao desvendar o genoma do barbeiro, os pesquisadores agora poderão estudar como funciona a interação entre o inseto hospedeiro da doença de Chagas e o protozoário que a causa.
2) Quais foram as principais conclusões da pesquisa?
Os cientistas identificaram informações genéticas associadas à alimentação do barbeiro – diferentemente de outros insetos que transmitem doenças, ele só se alimenta de sangue. Ao comparar o genoma da espécie analisada com outros insetos, a equipe identificou, no DNA do barbeiro, genes responsáveis pelas funções de reconhecimento de odores, pelas propriedades anticoagulantes presentes na saliva do inseto (que ajudam o barbeiro a se alimentar) e pela adaptação do sistema digestivo do animal para que possa digerir o sangue sugado.
Além disso, a pesquisa também levou a duas conclusões que podem estar relacionadas à tolerância do organismo do Rhodnius prolixus à presença do Trypanosoma cruzi. Os pesquisadores descobriram que o sistema imunológico do inseto tem uma estrutura bem diferente dos demais e que não há influência direta entre as principais vias de reação imunológica do Rhodnius prolixus e a presença do protozoário em seu estômago.
Para testar isso, os pesquisadores bloquearam as principais vias de reação imunológica do animal, isto é, “desligaram” as ferramentas de defesa de seu organismo contra micro-organismos invasores. O resultado esperado seria um aumento da infecção, mas isso não ocorreu. “Bloqueamos duas vias de imunidade da espécie e constatamos que não houve alteração na presença da infecção no inseto”, explica o bioquímico Rafael Dias Mesquita, professor do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor principal da pesquisa.
3) Essa informação ajudará a combater a doença de Chagas de alguma forma?
As informações genéticas sobre o barbeiro podem ajudar a entender melhor como o inseto interage com o parasito causador da doença de Chagas e o transmite às suas vítimas. Com esse conhecimento, os especialistas esperam desenvolver métodos para interferir na relação entre vetor e protozoário. “Ao compreender essa interação, podemos pensar em formas de interromper o ciclo ou o estabelecimento da infecção no inseto. Para isso, podemos usar, por exemplo, insetos geneticamente modificados”, aponta Mesquita.
4) Por que as espécies que são as principais transmissoras da doença de Chagas no Brasil não aparecem na análise?
Os cientistas preferiram começar pela espécie Rhodnius prolixus, principal transmissora da doença na América Central, Colômbia e Venezuela. Esta espécie também transmite a doença em parte do Brasil, mas, por aqui, as principais ameaças são o Triatoma infestans e o Triatoma brasiliensis. Segundo Mesquita, ambas têm um genoma bem maior do que o Rhodnius prolixus, o que torna o trabalho dos cientistas mais complexo. “Certamente a análise do genoma dessas espécies mostrará similaridades, já que são todos da mesma subfamília [Triatominae], mas, pela diferença na estrutura, é possível que encontremos muitos aspectos diferentes também”, acredita o pesquisador.
5) Quais são os próximos passos da pesquisa?
De acordo com Mesquita, o grupo de pesquisadores envolvidos na iniciativa trabalha atualmente em dois projetos. O primeiro busca entender melhor como a presença do Trypanossoma cruzi afeta os genes da espécie Rhodnius prolixus. “Até agora, só pesquisamos as vias de imunidade da espécie. Queremos identificar possíveis pontos de interação do parasito com o hospedeiro e saber como essa interação funciona”, detalha o bioquímico. O segundo projeto envolve investigações sobre o genoma do Triatoma infestans (espécie mais frequente de barbeiro no Brasil), que já foi sequenciado pela equipe e aguarda estudos mais aprofundados para publicação. “Neste caso, temos entre 10% e 20% do trabalho feito, pois faltam diversas análises e, dependendo do que encontrarmos, vamos fazer diversos testes, como fizemos ao bloquear as vias de imunidade do Rhodnius prolixus”, diz Mesquita.
Simone Evangelista
Especial para a CH On-line