Da ficção à realidade escolar

Explorar recursos que vão além de quadro negro e giz em sala de aula é um desafio constante para os professores. Alguns apostam no poder do vídeo e recorrem à exibição de documentários – muito usados no aprendizado de disciplinas como história, geografia e ciências em geral. Mas e os filmes comerciais, mais requisitados pelo público nos cinemas, têm espaço entre as ferramentas didáticas?

As professoras de química Kátia Aquino, do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco, e Paloma dos Santos, da Escola Estadual Eneida Rabello, também em Pernambuco, mostram que o cinema pode ser um aliado no ensino dessa disciplina. A partir do filme Perfume: a história de um assassino, de 2006, elas trabalharam conceitos relacionados a bioquímica e química orgânica com duas turmas do 3º ano do ensino médio. A prática foi descrita em um artigo publicado na revista Química Nova na Escola.

“Osestudantes do ensino médio permitem uma abordagem mais aprofundada docinema como proposta pedagógica”

“Geralmente as aulas de ciências se apoiam em documentários, mas nossa ideia era propor algo que realmente motivasse os alunos e fosse diferente do padrão”, conta Aquino. “Queríamos mostrar as potencialidades de um filme como recurso didático, de acordo com os interesses do nosso público-alvo. Os estudantes do ensino médio permitem uma abordagem mais aprofundada do cinema como proposta pedagógica.”

O longa-metragem escolhido é baseado no livro homônimo do escritor alemão Patrick Süskind e conta a história de um jovem que tem a habilidade de identificar todos os odores do mundo, mas não tem cheiro no próprio corpo. Com essa descoberta, ele começa a buscar uma forma de capturar odores e inicia uma série de assassinatos na tentativa de produzir o perfume perfeito.

“O filme é rico em referências à fabricação e aos processos de extração de perfumes, mostra aparelhagens de laboratório e demonstra a química das sensações e a captura dos odores”, exemplifica Santos. “Além disso, suas cenas trazem para a discussão conceitos históricos, físicos e biológicos, permitindo um trabalho interdisciplinar.”
 

Cenas inspiram atividades

Perfume foi usado como ponto de partida para algumas atividades propostas a dois grupos de cerca de 30 alunos cada – um orientado por Aquino e outro por Santos. “Decidimos o assunto a ser trabalhado e a escolha do filme se deu naturalmente, pois nós duas já conhecíamos seu enredo”, conta Aquino.

As professoras criaram uma tabela com os temas que poderiam ser abordados a partir de algumas cenas. Elas sugerem, por exemplo, trabalhar a descrição das sensações com base na cena em que o protagonista tenta nomear os cheiros (que se passa aos 11 minutos). A partir da cena em que dois personagens montam um aparelho para extrair uma essência (exibida aos 49 minutos), elas propõem abordar destilação, condensação e processos físicos de extração.

Durante a prática, os estudantes discutiram aspectos químicos e sociais do filme, revisaram conceitos e fizeram leituras ligadas à química dos odores e à bioquímica dos perfumes. Depois, realizaram uma tarefa escrita, composta de três questões. Uma delas, cujo resultado está descrito no artigo, pedia para que formulassem uma explicação química para uma sequência de cenas em que se executa um processo de extração.

“Nossa experiência mostrou que a utilização de um filme comercial também é muito rica, não só por promover uma aula mais dinâmica, mas por formar cidadãos críticos e reflexivos”, avalia Aquino. Na escola estadual, por exemplo, partiu dos alunos a ideia da avaliação final: produzir histórias em quadrinhos sobre o que tinham aprendido.

Tirinha sobre química
Tirinha criada por um grupo de alunos da Escola Estadual Eneida Rabello sobre os conceitos de química debatidos em sala. A ideia da atividade foi proposta pelos próprios estudantes e desenvolvida por meio do ‘site’ Strip Generator, que permite a criação de histórias em quadrinhos ‘on-line’.

Apesar dos benefícios dessa proposta, as professoras ressaltam que alguns desafios – e preconceitos – precisam ser superados para que ela seja admitida como recurso didático. “Ainda existe uma resistência dos professores em adotar o cinema como ferramenta para o ensino da química e de outras ciências”, ponderam.

As professoras esperam que a divulgação de seu trabalho ajude a colocar essa questão em debate e a vencer esse obstáculo. “Os alunos se interessam por explicações sobre os fenômenos que os cercam; os professores só precisam estar inteirados da atualidade”, argumenta Aquino. E completa: “Levar a tecnologia para a sala de aula possibilita uma aprendizagem com mais significados”.

Carolina Drago

Ciência Hoje On-line