Ver sangue e debater ciência

Um debate entre apaixonados. Essa seria uma forma otimista de enxergar uma discussão que, em muitos momentos, não prezou pela elegância. Mas, sem dúvida, não pecou pela omissão. A novidade da 62ª Reunião Anual da SBPC, em Natal (RN), é uma diferente forma de organizar as palestras: o “Ciência em Ebulição”.

Dois especialistas divergem sobre um tema. Um cronômetro lhes dá 20 minutos para a fala, há réplicas, tréplicas e a plateia participa. Um prato cheio para o confronto.

Dois especialistas divergem sobre um tema. Um cronômetro lhes dá 20 minutos para a fala. Prato cheio para o confronto

E teve confronto. O tema debatido foi: “a biossegurança dos transgênicos”. Na mesa, estavam os agrônomos Edilson Paiva, da Comissão Técnica Nacional em Biossegurança (CTNBio) – órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia –, e Rubens Nodari, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista em recursos genéticos vegetais.

Apesar de ser um tema debatido à exaustão em todo o mundo (e lá se vão quase 30 anos dos primeiros alimentos modificados geneticamente), a conversa sobre transgênicos ainda gera polêmica.

– Hoje, o ser humano é a principal praga na face da Terra. Consome muito. Inclusive os alimentos. Os grupos contrários à biotecnologia são capazes de desinformar, fomentar medo, exigir risco zero e segurança absoluta. Como se isso fosse possível – disse, com ênfase, Paiva.

Argumentos para todos os gostos

O agrônomo da CTNBio enumerou as benesses da prática transgênica: aumenta a produtividade da plantação; conserva a biodiversidade; reduz impacto ambiental; diminui os riscos para o agricultor, entre outras qualidades.

Não seria exagero afirmar – os alimentos transgênicos, para Paiva, são a salvação.

Não é assim que pensa Rubens Nodari, professor da UFSC e veterano nas reuniões da SBPC.

– Existe transferência horizontal [de genes] na natureza? Existe. Mas antigamente, ela era feita pela seleção natural. Agora querem fazer pela seleção artificial – afirmou Nodari, quando o cronômetro marcava 18 minutos, em crítica veemente aos transgênicos.

Foi aplaudido pela plateia.

E, na réplica, repreendido por Paiva, que disse:

– Há muitos obstáculos para a pesquisa transgênica. Querem sempre mais dados. Não há como ter todos os dados. O princípio da precaução se torna o princípio da obstrução. Na dúvida, não faça nada.

– Não – respondeu Nodari. E acrescentou – Na dúvida, temos que tomar sim uma decisão. Qual é a decisão? Mais ciência.

Campainha

Qual um debate entre políticos (ou boxeadores), o sino tocou avisando que a conversa chegara ao fim. Muitas acusações – “isso é mentira” – foram ouvidas. Se um lado diz que o outro está mentindo, um deles (ou nenhum dos dois) está falando a verdade.

Essas “mentiras” (ou “verdades”) são informações e dados que precisam ser apurados e, sobretudo, disponibilizados à população. Exigência maior da plateia que esteve presente neste primeiro “Ciência em Ebulição” da SBPC. Quarta e quinta-feira haverá novos debates no mesmo molde. O objetivo, como um dos organizadores assumiu após evento, é claro: ver sangue e debater ciência.

Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line

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