Dormindo no ponto

Ficar até altas horas na internet e dormir só de madrugada. No dia seguinte, briga para sair da cama e baixo rendimento na escola. O problema, enfrentado diariamente por grande número de pais e alunos, é mote do livro O sono na sala de aula – tempo escolar e tempo biológico. Os autores, o neurocientista Fernando Louzada e o neurofisiologista Luiz Menna-Barreto, produziram a obra pensando em conscientizar educadores sobre a importância do sono na vida do estudante.

Mas o livro acaba não se destinando apenas ao público-alvo originalmente pensado e atrai também o interesse de pais e alunos. “A escola deve respeitar o relógio biológico dos estudantes, sem impor regras”, salienta Louzada, do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná. A propósito, os autores destacam o dever das instituições de ensino de zelar pelo sono de crianças e adolescentes e trazem sugestões de como monitorar a qualidade do sono dos alunos.

O mais novo título de Louzada e Menna-Barreto, que trabalham juntos há quinze anos, é um desdobramento de outra obra deles, Relógios biológicos e aprendizagem, lançada em 2000. O sumário de O sono na sala de aula apresenta três tópicos. Ao final da leitura, porém, percebe-se que o livro tem de fato duas partes. A primeira apresenta conceitos gerais relacionados com o tema sono; depois eles são aplicados no cotidiano escolar. A abordagem da questão é feita de forma simples (como propõe a coleção ‘Ciência no Bolso’, da editora carioca Vieira&Lent, na qual o trabalho foi lançado), mas não deixa de abranger os pontos essenciais. De posse dessas informações, o educador está apto a ajudar seus alunos a melhorar o rendimento na escola.

Os ‘sistemas de temporização’, ou relógios biológicos, como são mais conhecidos, dizem a que horas temos de dormir ou acordar (o mecanismo está relacionado com secreção hormonal e incidência luminosa). Nosso organismo, que está programado para realizar tais funções, desregula-se se algo foge à normalidade. Isso acontece, por exemplo, com a implantação do horário de verão (quando o dia tem 23 horas). O texto desmistifica a idéia amplamente disseminada de que só quem dorme oito horas por noite tem sono normal. Um grande dormidor (que precisa de mais de dez horas de sono) é tão normal quanto um pequeno dormidor (que se satisfaz com seis horas ou menos).

Sono paradoxal e sono delta
Os autores abordam também conceitos menos conhecidos, como ‘sono paradoxal’ e ‘sono delta’. Este último, que apresenta ondas lentas, é a parte mais profunda do sono, também conhecido por NREM. O sono paradoxal, ou REM, é uma fase com intensos movimentos oculares e baixa atividade dos demais músculos. Os estágios alternam-se durante a noite, formando ciclos de aproximadamente 90 minutos (uma noite tem, em média, de 4 a 6 ciclos). Um sono reparador deve ter certa quantidade de sono delta e paradoxal. Se não entramos nessas fases, o repouso é superficial e pouco reparador.

                                                                    fotos: Helen Mendes

A coleção ‘Ciência no Bolso’, da editora Vieira&Lent, foi lançada em setembro de 2007, durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, com o objetivo de aproximar a ciência do grande público, investindo em todas as áreas do conhecimento. A idéia é abordar temas das áreas de exatas, biológicas e humanas de forma simples e atraente. “Mesmo o público habituado a ler sobre ciência ou que está próximo dela não domina conceitos específicos de todos os campos”, explica a editora executiva da coleção, Cilene Vieira. Além disso, a Vieira&Lent preocupa-se em motivar o leitor com algumas pitadas de humor e falar de temas que despertem o interesse da sociedade. A coleção reúne cinco títulos até agora, que abordam sono, maconha, reforma agrária, computação quântica e células-tronco. “Nos próximos anos, pretendemos lançar um novo livro por mês”, planeja Cilene. Línguas indígenas, favelas do Rio e cosmologia são alguns dos títulos que estão no forno.

Os autores destacam também outra diferença, não menos significativa. Há quem goste de dormir tarde e acordar tarde (são os vespertinos) e quem prefira dormir cedo e acordar cedo (matutinos). “São comportamentos normais, porém diferentes”, diz Louzada. “Mas as atividades escolares começam às 7 da manhã para todos, sem distinção”, lembra. Isso é um problema para muitos, que acabam tachados de preguiçosos quando são apenas vespertinos.

Na adolescência, há um grande atraso nos ‘relógios biológicos’. Justamente nessa época (a partir da quinta série) em geral as aulas, até então oferecidas à tarde, passam a ser ministradas de manhã. Essa mudança, associada aos ‘ladrões’ de sono, como a tevê e o computador, compromete a aprendizagem devido à má qualidade do repouso.

Louzada sugere a oferta de aulas em turnos adequados a cada um dos dois tipos de alunos, os matutinos e os vespertinos. Mas ele reconhece que isso seria economicamente inviável. Matricular todos os estudantes no período da tarde também seria salutar, mas os próprios pais e alunos, por razões pessoais, são contrários a essa proposta. O sono na sala de aula aponta um problema relevante. As possíveis soluções para ele precisam ser seriamente estudadas.

O sono na sala de aula – tempo escolar e tempo biológico
Fernando Louzada e Luiz Menna-Barreto
Rio de Janeiro, 2007, Vieira&Lent
Tel.: (21) 2262-8314
144 páginas – R$ 20,00  

Ellen Nemitz
Especial para a CH On-line / PR
15/01/2008