Dos estádios às bibliotecas

O futebol é um dos fenômenos sociais mais espantosos do mundo. Reúne milhões de pessoas sob a bandeira de diversos clubes, desperta paixões e ódios em igual intensidade. Os mecanismos que regem esse universo à parte são alvo da análise de seis artigos reunidos na coletânea Futebol, cultura e sociedade . Dados históricos, episódios curiosos e depoimentos de torcedores dão a origem a ensaios que possuem a paixão como pano de fundo e abordam temas como violência, superstição, rivalidade, escolas de futebol e preconceito sexual.
 
O artigo que abre a coletânea trata de superstição e destaca-se pelo panorama que apresenta sobre relações sutis e ao mesmo tempo complexas que norteiam o mundo do futebol. Joacir Daolio, autor do texto e professor da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (FEF/Unicamp), define esse esporte como um fenômeno socialmente construído, o que indica a relação direta e necessária entre a crendice popular – e até mesmo a religião – e o mundo da bola. O ensaio funciona ainda como uma introdução aos outros artigos da coletânea, ao identificar o papel dos torcedores e de suas manifestações na construção do futebol como o conhecemos. 
 
A violência, tema do artigo da professora da FEF/Unicamp Heloísa Helena Baldy dos Reis, é uma das mais fortes manifestações da torcida. Em seu ensaio a autora renega a violência física e procura associá-la a fatores como falta de vigilância e impunidade. No entanto, acredita que certas doses de violência simbólica fazem parte dos ritos do futebol, como forma de extravasar as tensões do cotidiano. Nesse contexto, as torcidas organizadas aparecem tanto como parte do problema quanto como elementos fundamentais do espetáculo, pois suas atitudes contagiam os torcedores solitários.
 
Na coletânea destaca-se ainda o estudo de Eriberto Lessa Moura, também professor da FEF/Unicamp, sobre a exclusão feminina do universo futebolístico. O artigo busca as origens desse fenômeno no insipiente futebol inglês do fim do século 19. O autor analisa o papel secundário associado à mulher nesse universo e compara essa realidade com a dos Estados Unidos, país em que o futebol não tem prestígio. Apesar de serem a maioria dentre os praticantes de futebol do país, as mulheres norte-americanas continuam excluídas do ‘clube do bolinha’, no caso dos EUA formado por beisebol, basquete e futebol americano.
 
Infelizmente, seja pelo tamanho reduzido ou por se tratar apenas de fragmentos de teses de pós-graduação ou de outros trabalhos, nem todos os ensaios abordam seus temas de forma exaustiva. Alguns se perdem um pouco em retrospectivas históricas, indo pouco além da apresentação do tema.
 
Um exemplo é o ensaio sobre rivalidade no futebol: um torcedor acostumado a freqüentar estádios de futebol não verá muita novidade na análise das atitudes dos torcedores do Guarani e da Ponte Preta, que se comportam da mesma maneira que tantas outras torcidas rivais de todo o Brasil. Da mesma forma, para quem já conhece a história do esporte, em especial da seleção brasileira em Copas do Mundo, a análise das diferenças entre futebol-arte e futebol-força pode não trazer muitas novidades. 
 
Futebol, cultura e sociedade deve agradar a iniciados e não iniciados no mundo da bola. Ao mesmo tempo em que realiza uma análise de características básicas dessa manifestação cultural, traz curiosidades e discussões que podem mudar um pouco a forma de se encarar esse esporte ou pelo menos, dar mais assunto para o chope de sexta-feira.

Futebol, cultura e sociedade
Jocimar Daolio (Org.)
Campinas, 2005, Ed. Autores Associados
Fone / fax: (19) 3289-5930
149 páginas – R$ 28,00

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line
06/08/05