Entre extremos

A questão das mudanças no clima parece ter ficado fora das discussões oficiais da Rio+20. Mas o assunto voltou à tona com a divulgação dos principais resultados do Relatório de Avaliação Nacional de Mudanças Climáticas, primeiro de uma série de três organizados pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). O documento alerta para um cenário generalizado de aumento de temperatura no país, com maior incidência de chuvas no Sudeste e menor no Nordeste e na região amazônica.

O estudo aponta para uma elevação de temperatura de em média 4 ºC até o final do século em todas as regiões do país, cenário condizente com as projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU).  Amazônia e caatinga são os biomas mais vulneráveis. O relatório prevê aumento de temperatura para essas regiões maior do que a média global do país. 

Para caatinga, é esperado que as temperaturas subam até 1 ºC e que as chuvas sejam reduzidas em até 20% nos próximos 30 anos. Para o final do século, a perspectiva é de que as temperaturas se elevem até 4,5 ºC, em decorrência do acúmulo de gases-estufa na atmosfera, e que as chuvas caiam pela metade, agravando a situação de seca no Nordeste. 

Na Amazônia, os modelos climáticos indicam uma redução de 45% nas chuvas e aumento de até 6 ºC na temperatura até o final do século, panorama compatível com as piores projeções do IPCC.

Na Amazônia, os modelos climáticos indicam uma redução de 45% nas chuvas e aumento de até 6ºC na temperatura até o final do século

“Essa previsão preocupante só leva em conta as concentrações de gases-estufa e não o desmatamento que ainda pode ocorrer na região”, lembra o climatologista da Universidade de São Paulo (USP) Tércio Ambrizzi, coordenador do estudo, que reúne conclusões de trabalhos de diversas universidades e centros de pesquisa brasileiros e é assinado por 128 pesquisadores. “Se o cenário indicado se confirmar, o bioma pode ficar seriamente comprometido.”

Como pior cenário para a Amazônia, o documento aponta a possibilidade de savanização da parte leste da floresta por causa da diminuição das chuvas. Essa hipótese, no entanto, ainda é controversa. 

“Essa é uma das questões polêmicas do estudo”, aponta o físico da USP Paulo Artaxo, revisor científico do trabalho. “Alguns estudos indicam isso e outros não. As lacunas nesse tipo de estudo são muitas porque a climatologia é uma ciência nova e, apesar de o nível de conhecimento já estar bem elevado, existem muitas imprecisões principalmente nos modelos sobre precipitação, que ainda deixam muito a desejar.”

Amazônia
De acordo com o estudo, a Amazônia, que já viveu forte seca em 2010, poderá sofrer processo de savanização até o final do século. (foto: Sofia Moutinho)

Para Luiz Pinguelli, secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/ UFRJ), instituição que apresentou o relatório ontem (21/6), em evento paralelo à Rio+20, as incertezas sobre as projeções não devem impedir que ações de mitigação e adaptação sejam tomadas. 

“A garantia da verdade absoluta é sempre inútil”, afirma. “Se eu falo que amanhã pode chover ou não, estou certo, mas é uma informação inútil. Se eu falo que há 80% de chance de chover, essa afirmação é fruto de trabalho científico, com margem de erro. Sempre vão existir margens de erro, mas é melhor partir do princípio da prevenção e tomar providências em cima desse cenário.”

Alerta para as cidades

As mudanças no clima da Amazônia e caatinga podem alterar a umidade e as temperaturas de outras regiões do país. A floresta tem o papel de absorver o vapor d’água do ar e promover o equilíbrio local. Sem ela, o vapor é levado por ventos para o Sul e Sudeste.

De acordo com o estudo, a mata atlântica do Sudeste e os pampas, do Sul, vão passar por um aumento de até 30% nas chuvas até o final do século. Os mais afetados por essas mudanças devem ser os moradores de grandes cidades, que hoje já sofrem com enchentes e alagamentos.

Ribeiro: “Esperamos que o estudo sirva de suporte científico para os órgãos governamentais formularem políticas públicas”

“Esperamos que esse estudo sirva de suporte científico para os órgãos governamentais formularem políticas públicas, legislações e tributações”, afirma Suzana Kahn Ribeiro, presidente do comitê científico do PBMC e subsecretária de Economia Verde do Rio de Janeiro. “Nosso maior desafio hoje em relação às mudanças climáticas é justamente diminuir a distância entre ciência e política.”

Paulo Artaxo é da mesma opinião e destaca a importância de trabalhos colaborativos como o do PBMC para o avanço da questão climática. “Esse primeiro relatório salienta a necessidade de o Brasil estruturar uma rede de observações ambientais para  sabermos o que está mudando, onde e por quê”,  afirma. “Essa é uma prioridade de ciência e tecnologia que o Brasil tem que implementar a curto prazo.” O relatório completo tem lançamento previsto para outubro, durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line